quarta-feira, 25 de julho de 2007

Tragédia (grega) em Porto Alegre

O teatro trágico grego volta à cena da capital gaúcha com a montagem de “ Medeia”, do célebre dramaturgo Eurípedes

Em 2005, o diretor gaúcho Luciano Alabarse iniciou uma seqüência de montagens de tragédias grandiosas, apresentadas ao público através de produções minuciosas e sofisticadas. Depois da montagem de “Antígona”, de Sófocles, e de “Hamlet”, do bardo inglês Shakespeare, ele volta a dar destaque à força da mulher com a peça “Medéia”, texto do último dos grandes dramaturgos gregos da tragédia: Eurípides.
Passados 10 anos de harmoniosa vida conjugal no reino de Corinto, na Grécia, a obra inicia com a protagonista Medéia consumida por um ódio mortal a seu esposo Jasão; tanto ódio se explica: Jasão a trocou por Gláucia, filha do homem que reina na cidade: Creonte. Medéia é uma mulher vingativa e violenta. Tomada por uma ira radical, passa por cima dos seus próprios sentimentos para ferir o marido traidor: mata os dois filhos que têm juntos, o rei da cidade e sua filha. Em clima descontraído e com um sorriso solto, o diretor diz: “O público não deve se preocupar de já saber o final do espetáculo. A história realmente é muito conhecida. O importante é assistir para ver a linguagem e a maneira como a peça é encenada e interpretada hoje, pelo diretor, em Porto Alegre, quase 2500 anos depois dos fatos narrados”.
Durante todos os dias da semana, das 19 às 23 horas, nos reunimos em uma das salas do Centro Cenotécnico para ensaiar. “Vocês têm cinco minutos para se aquecerem, cada um como achar melhor antes da gente começar”, grita o diretor para os atores, grupo no qual prazerosamente me incluo. No início, enquanto os argonautas ensaiam a cena da entrada do público, Medéia, Ama e Preceptor com as duas crianças se aquecem para dar início à peça. Creonte fuma seu Hollywood vermelho enquanto conversa tranqüilamente com o Corifeu; ao redor desses, mais oito atores se preparam para dar início às cenas.
A atriz Sandra Dani, de 59 anos, encabeça o elenco ao dar vida à personagem trágica que dá nome ao título da obra. A idéia da montagem do espetáculo surgiu da mente da própria protagonista junto com o diretor. “Viver a Medéia é uma maravilha e, neste momento da minha vida, estou preparada. Sou amiga do Luciano e aproveitei que ele estava seguindo a linha da tragédia para montar este texto com ele”, diz Sandra, logo depois de, na pele de Medéia, enfrentar Jasão em cena.
Estreada pela primeira vez em 431 a.C. numa Skene grega, termo que deu origem à palavra Cena e que significa o local de apresentação de tragédias, a obra é atual e ainda tem identificação com os habitantes da Porto Alegre de 2007. “A peça é mesmo fantástica. Basta ficar atento às notícias de todo o mundo e vamos perceber a grande quantidade de Medéias que vivem nos tempos atuais”, diz Rodrigo Lopes, diretor assistente da montagem.
Eurípides revoluciona a cena trágica grega ao construir uma narrativa claramente feminista. Pela primeira vez o coro grego é composto por apenas seis pessoas e somente mulheres que, durante a peça, estão ao lado de Medéia e se mostram suas amigas. Além deste fator, o autor analisa que, mesmo ao cometer horrendos assassinatos, Medéia é salva por Egeu, rei de Atenas, e termina a história superior a todos, utilizando o carro do Sol para ir ao encontro de seu novo companheiro. Do outro lado está Jasão: sozinho, sem futuro, que morre quando a imagem da deusa Hera cai sobre sua cabeça. Alabarse explica: “Medéia termina a peça triunfante e acima de Jasão porque os crimes que cometeu foram contra os humanos, mas, diferente dele, sempre foi fiel aos deuses do Olimpo”.
Às 23 horas o diretor chama seus atores para um feed back das cenas ensaiadas no dia. Atentos aos seus conselhos, muitos de nós cansados pelo dia de trabalho e aliviados com a sensação de dever cumprido, acendem cigarros e arrumam suas coisas; com isso, qualquer um perceberia a descontração de quando estamos fora de cena e a dedicação e a entrega quando nos encontramos sob as luzes da ribalta. Passados conselhos, críticas e ensinamentos, todos sabem que estão liberados para ir embora quando o diretor pronuncia a frase: “E amanhã tem mais”.

- O que: Medeia, tragédia grega de Eurípides, com direção de Luciano Alabarse.
- Quando: De 03 de agosto até 9 de setembro, sextas e sábados às 21h e domingos às 20h.
- Onde: Teatro Renascença, na Érico Veríssimo 307

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