domingo, 31 de maio de 2009

Lacanagem com O Banquete

Grandes nomes de épocas diferentes reunidos em um único evento. A montagem do espetáculo teatral O Banquete que estará a disposição do público em junho no Theatro São Pedro.

No princípio de tudo, há mais ou menos 2.500 anos, um homem chamado Platão escreveu textos que, devido a importância dos temas debatidos nos mesmos, o deram o título de pai da filosofia ocidental. Possuidor de uma mente inquieta e contestador, como se não bastesse o talento com as palavras, Platão é responsável por dar a civilização atual o acesso aos pensamentos socráticos. Como Jesus Cristo, Sócrates dividiu o tempo em dois: antes e depois dele, e nunca escreveu uma única palavra. Podemos assim dizer que Platão está para Sócrates como os Apóstolos para Jesus Cristo.
Em 1961, um dos maiores psicanalistas de sua época, o francês Jacques Lacan escreveu o volume 8 de O Seminário, dedicado a “a transferência”. Neste estudo, há uma genial sacanagem feita pelo autor sobre os personagens e o cenário de O Banquete, texto escrito por Platão. No original estão Fedro, Pausânias, Erixímaco, Aristófanes, Agatão, Sócrates e Alcibíades reunidos na casa de Agatão para comemorar o fato de o anfitrião ter ganhado o prêmio de dramaturgo numa edição dos concursos teatrais da época. Na comemoração um único tema foi discutido: o amor, Eros. Nos ensaios de Lacan, encontramos os mesmos personagens, porém com a análise peculiar sobre cada um que só um mestre poderia ter feito sem nunca ter conversado com eles. Se vê no livro uma inteligente brincadeira sobre os discursos e a personalidade de cada um. Lá, temos um Fedro hipocondríaco, idealista e romântico, um Agatão elegante e exibido e um Pausânias afeminado, entre outras “lacanagens”.
Esse trabalho feito foi o que bastou para, em 2008, um dos grandes intelectuais da nossa época e cidade, Donaldo Schüler, fazer uma brilhante adaptação para o teatro de O Banquete, com uma visão lacaniana dos personagens de Platão. Ao finalizar sua obra, Schüler tinha uma comédia nas mãos. “Platão é um dos grandes brincalhões da literatura ocidental. No Banquete, ele brinca desde a primeira linha. Não seria justo sacrificar a brincadeira nesta reunião de ébrios. A dialética de Platão é erótica, o prazer não está excluído de seus processos de investigação. O discurso erotizado cria, não a filosofia austera, mas a filosofia apaixonada”, descreve ele.
Com o texto para o teatro pronto, eis que entra em cena outro grande nome da cultura local, Schüler convidou Luciano Alabarse, um dos mais renomados diretores de teatro de Porto Alegre e estudioso do teatro grego, para levar ao palco sua adaptação. Num espetáculo em que o texto está em primeiro plano é importante, para que ele se destaque, a criação e execução dos personagens, que deve ser a prioridade da encenação. Para isso, Alabarse convidou um time de atores de primeiro nível como Luiz Paulo Vasconcelos, Mauro Soares, Carlos Cunha, José Baldissera, Sandra Dani, Vika Scgabbach, Lutti Pereira, Marcos Contreras e Marcelo Adams para dar vida aos presentes no banquete. “Que ninguém espere dos personagens platônicos um romantismo desvairado construído a partir de clichês. Erudição, irreverência e iconoclastia são os principais ingredientes desse banquete grego e universal. Quanto ao texto, qualquer semelhança com nossa atual conjuntura só mostra que o carimbo de validade da obra está afiadíssimo e vigente, pois o texto é puro Platão” conta Alabarse.
E aproveitando o ensejo, a produção é deste que vos escreve. Será um verdadeiro evento que transformará de ponta cabeça os pensamentos de todos que forem ao Theatro São Pedro entre os dias 04 e 14 de junho de 2009. De quintas a sábados às 19 horas e domingos às 18 horas. O espetáculo começa com uma introdução a filosofia platônica a partir dos diálogos de Sócrates. E após o intervalo, deliciem-se com O Banquete e um bom apetite! Aguardo a todos com muita fome de cultura, afinal a gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte.

sábado, 30 de maio de 2009

chuva, cama e revistas

Por que será que quando chove a pessoa sente necessidade de escrever? Comentei isso com a Luiza ontem: nos últimos dias, cada pensamento que vem a gente já imagina como pode colocar em forma de texto, as duas andam numa fase muito escrivinhadeira...
Eis as últimas, então: na minha corrida matinal várias idéias me ocorreram e eu fui viajando nas associações.
Primeiro pensamento: eu me sinto muito foda correndo na chuva (essa expressão é um tanto grosseira, mas não consigo pensar em outra mais adequada). Por que será? Me dei conta de que por melhor que seja a sensação da corrida em si - a endorfina circulando, o shuffle inexplicavelmente acertado do iPod, a conclusão do percurso planejado -, ela em nada difere do que eu sinto correndo em dias de sol. O motivo real: a idéia de estar correndo na chuva em um sábado de manhã, quando a maioria das pessoas está em suas casas dormindo, ou em seus carros indo pro shopping, secas, agasalhadas, confortáveis, cercadas de distrações e aconchegos. Inevitável o prazer triunfante de perceber que algo que a maioria dos mortais consideraria uma grande roubada me enche de satisfação!
Sempre senti isso, mas quis escrever a respeito porque essa semana eu li um texto que foi publicado na última Piauí. O autor é um norueguês chamado Per Petterson, e o título é "A Busca, Noite Adentro". Ele fala do hábito que tem de sair a caminhar pela noite, em meio à absoluta escuridão, durante o inverno gelado daqueles pagos. Por que ele faz isso? Porque sente necessidade, às vezes, de fugir de si mesmo, "dissolver um pouquinho a fronteira entre corpo e não-corpo", como se a sensação do infinito presente no breu total descolasse ele dos papéis desempenhados diariamente: o professor, o escritor, o marido, o contribuinte... Ali ele traça paralelos com pessoas que foram ao Saara em busca do nada. Vou transcrever só mais um trecho: "(...)pode ser que muitos façam isso: procurem o esquecimento, por razões que não julgarei agora, não aqui sozinho nesta estrada de chão batido, mas para encontrar esse esquecimento, para serem deixados para trás, podem permitir que o deserto faça o papel de uma grande borracha, que atue de forma tão absoluta como o apagador no quadro-negro, que no fim não se possa mais ouvir nada no vazio, a não ser o som frágil dos sinos da ausência. Outros buscam a mudança, querem mudar a si mesmos completamente, e para conseguí-lo precisam atravessar a noite, penetrar no deserto e talvez deixar que o vento seco e abrasivo da mudança sopre através dos seus corpos e limpe as suas almas; deixar que o deserto os reeduque para as coisas elementares.".
O texto me tocou por causa da identificação, essa razão tão óbvia que nos leva a gostar de filmes, livros, pessoas e lugares. O que eu sinto correndo na chuva, andando sozinha pela rua de noite, trabalhando perto do fogo e de facas afiadas é a minha modesta forma de viver situações análogas às desse andarilho da escuridão e dos "mergulhadores do Saara". Estar alerta, testar os limites da minha resistência física, tolerar cortes e queimaduras. Tudo isso tem muito de auto-destruição, mas também é permeado pela vontade de tomar consciência do que eu tenho de mais humano, de mais elementar.
Essas divagações me levaram a outra mais superficial: ando sem saco pra Vogue e Elle, duas revistas que eu adoro. Ah, cansei de expressões como old money, it girl, e afins... Das reportagens falando sobre pessoas e suas respectivas vidas como se fossem todos muito cool, até bem de pertinho, do savoir vivre indissociavelmente ligado ao luxo. Uma preocupação permanente com status e imagem que às vezes cansa... Acabei de falar que adoro essas revistas, e normalmente gosto mesmo de ler o mundo sob essa ótica glamourosa. A qualidade editorial é indiscutível, a competência pra abordar moda e tendências é perceptível em cada página. Nada disso eu nego, só tô dizendo que me enfarei um pouco, só isso.
Por isso que comprei a Piauí, que eu tinha lido pouquíssimas vezes, e tô adorando. A tpm é outra que vira e mexe tá na minha cabeceira: dá gosto ler uma revista que não dedique uma linha a ensinar como enlouquecer os homens ou à última maneira revolucionária de acabar com a celulite.

sexta-feira, 29 de maio de 2009

SOBRE PLANOS, MANDATOS E CRACK.

Eu estou com saudade de ter planos. Assim, não sei explicar, mas eu ando com uma sensação de estar vivendo dia a dia só me deixando levar, sem ter um objetivo concreto para o futuro, sem estar perseguindo algo. Os únicos planos que eu sempre faço e obrigatoriamente tenho são as minhas próximas férias. Neste quesito pode saber que sempre tem alguma coisa na minha cabeça, uma viagem programada, um roteiro feito. Mas eu estou sentindo falta de uma coisa maior, em relação à minha vida mesmo, à carreira, ao futuro: carência de um objetivo claro.

Pode ser passar em um concurso, entrar em determinada empresa, pode ser até tirar só A na faculdade, decidir estudar MESMO. Contando que eu tenha um lugar a chegar e um caminho a percorrer, é isso que eu quero ter e que está me fazendo falta.

Fazer um curso de línguas (inglês ou francês), melhorar meu tempo na corrida, ir bem na faculdade, estabelecer um horário de estudo certo, pelo menos duas horas por dia três vezes por semana, decidir mais ou menos onde eu quero trabalhar e em que área. Enfim, planejar. Tá decidido: esse será meu novo passatempo.

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Essa insistência em falar em terceiro mandato do Lula é uma coisa que me irrita profundamente. A simples conversão desta idéia em projeto concreto, sujeito à votação na Câmara, já me parece uma profunda afronta à democracia, tão consolidada no nosso país. Porque nós podemos ter todos os problemas possíveis politicamente – e temos! – mas uma coisa de que podemos nos orgulhar é da nossa democracia. Então eu espero que continuemos assim, que os nossos parlamentares sigam inclusive a vontade do próprio presidente – que se diz rigorosamente contrário à tal emenda constitucional.

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Não adianta, no Rio Grande do Sul a RBS nos cerca. A grande maioria dos gaúchos – e eu me incluo nestes – assiste ao canal 12, ouve na AM a Gaúcha, na FM a Atlântida ou a Cidade, lê a Zero Hora ou o Diário Gaúcho. E já que é assim, que bom que eles decidem fazer essas campanhas institucionais e eleger um tema novo todo ano para conscientizar e alertar a população. Já teve contra violência doméstica, para a paz no trânsito e agora é sobre o Crack. Essa droga pesada, que parecia tão longe da nossa realidade, coisa de “mendigo e presidiário”, já está completamente disseminada, se tornou um problema de saúde pública, sem qualquer distinção entre os viciados: classe baixa, média e alta sofrem igualmente. Sejam os pais que sofrem com o vício do filho, sejam os atingidos indiretamente, através dos roubos e mortes provocados por quem precisa de dinheiro para comprar mais droga, sejam os próprios viciados. Quando eu soube que alguém muito querido e próximo a mim estava sofrendo com esse vício foi um choque e a consciência da minha impotência diante de tal problema uma agonia. Querer ajudar e não ter o que fazer é das piores sensações que eu conheço. Torço profundamente, todos os dias, para ele se recuperar e enquanto isso apóio muito iniciativas como a da RBS. Elas provavelmente não ajudarão muito a ele, ou àqueles que já estão nesse caminho (que devem procurar tratamento, terapia, etc), mas podem, através da informação, impedir que outras pessoas entrem nessa. Que assim seja!

quinta-feira, 28 de maio de 2009

a morbidez natural da vida

A vida é muito irônica mesmo. Acordamos, estudamos, trabalhamos, amamos, rimos, comemos, dormimos, caímos, levantamos, lembramos e esquecemos. Esquecemos na maior parte do tempo que essa sucessão de eventos pode ser subitamente interrompida. Não pensamos muito na morte, em geral, sob pena de concluir que talvez não valha o risco dedicarmo-nos com afinco a causa nenhuma, afinal de contas, amanhã pode-se ter partido dessa pra melhor...
E um dia, ela resolve fazer uma visita. Um aceno, não tão de perto que interompa nossa caminhada, mas ainda desconfortavelmente próxima. E é nesses casos que a morte me parece mais perturbadora. Quando eu fiquei na fronteira, me vi tranquila, contemplativa, quase alienada (O Dráuzio Varella trata em um livro sobre o estado psicológico - espiritual? - dos pacientes terminais. Na mosca!). Quando pessoas amadas se foram, me vi no centro da tragédia, no olho do furacão, e só tinha espaço pra tristeza. Depois do luto, a aceitação. O ciclo natural, creio eu.
Mas hoje foi diferente. Fui ao velório do pai da minha tia. E não sei explicar, até agora, o que eu senti.
Conhecia o falecido superficialmente. Era um senhor muito simpático, ainda que reservado. Encontrava ele e a esposa, sempre juntos, com frequência: no Parcão, na feirinha orgânica, nos churrascos do meu tio. Ele acabava de ganhar uma netinha, minha prima linda. Minha tia, que eu adoro, era bem ligada ao pai, e cortou o coração ver a tristeza dela. Mas fora esse pesar, não posso dizer que eu tinha uma relação com o falecido. Não tinha. E era isso que me incomodava, me saber quase uma estranha ali, diante do corpo inerte de uma pessoa. E os grupos conversando, por vezes até sorrindo, não por frivolidade, mas imagino que na tentativa de negar o peso daquele ambiente, da circunstância insólita de se estar diante de um corpo que poucos dias antes respirava, andava, falava, beijava a esposa, ninava a netinha, dirigia o carro.
A morte é natural, é nossa única certeza, mas não vejo como se habituar a ela, ou estar preparado pra quando ela chegar. É muito estranho, velório é uma coisa louca, não sei até hoje se eu concordo que seja necessário pra processar a informação de que aquela pessoa se foi, que simbolize a despedida. Não faz o menor sentido ver sem vida alguém que a gente ama.
Cada frase que eu penso, escrevo aqui e em seguida apago... porque todas parecem pueris. Sou só eu tentando colocar em palavras tudo aquilo que vem com a consciência de que a morte está permanentemente à espreita.

Pra completar, fui ver a exposição do Corpo Humano assim que saí do crematório.


Por uma sexta-feira menos sombria e pelo pronto restabelecimento da ignorância fingida quanto ao nosso destino inevitável.

quarta-feira, 27 de maio de 2009

Atualizações.

Um Ray- Ban aviador de haste dourada, mochilão de um mês pela Europa, morar por um tempo em Paris, passar dez dias em Nova York com as amigas, Rio de Janeiro de tempos em tempos, uma bicicleta boa, o blush da Helena Rubinstein que acabou e eu nunca mais achei, clareamento nos dentes, a caixa com os DVDs de todas as temporadas do Sex and the City. Se é para ser materialista, esses são meus diversificados sonhos de consumo para os próximos dias e anos.

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E seguindo na linha futilidade, tenho que comentar que eu ando com uma irritação sem tamanho pela Susana Vieira! Cada vez que eu passo por uma banca de revistas e vejo uma capa com ela dizendo “Eu sou naturalmente feliz”, ou mostrando ela com um corpo altamente alterado via Photo Shop, ou com o seu novo namorado e uma frase “eu me basto”, eu me pego fazendo uma careta de repúdio! Nada contra namorar gente mais nova, mostrar o corpo sendo mais velha, ou fazer o que der na telha, mas precisa ficar se auto-afirmando feliz o tempo todo em todos os veículos de comunicação existentes? Cansa. E o pior: só demonstra o contrário.

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E da futilidade para a utilidade (pelo menos eu acho útil): eu e meu irmão andamos numa pilha de ver uns filmes mais antigos, clássicos e tal. Pegamos a Revista Bravo que elegeu os cem melhores filmes do século e vamos selecionando aqueles que não vimos e nos interessam. E depois, estando naquela sessão da locadora, já vamos achando outros que interessam também, ou pegando por ser do mesmo diretor de algum que gostamos, roteirista, e por aí vai, em um efeito dominó que está fazendo eu ver um número absurdo de filmes por semana! E o melhor: todos são realmente incríveis! Alguns me agradam mais, outros menos, claro. Mas nenhum, definitivamente, deixa de me agradar. Nem todos são antigaços, década de 90, se não foi visto, já entra no rol. Mas tem também 80, 70, 60, 50. É bom que, depois de um estranhamento inicial de alguns minutos (pela imagem e som, se o filme for bem mais antigo), a gente simplesmente esquece que aquilo não é o padrão e se delicia com as histórias mais brilhantemente contadas! Tem para todos os gostos, e sendo a maioria deles quase uma unanimidade, é praticamente certo que se vai gostar. Muito menos arriscado do que pegar um blockbuster - lançamento qualquer... e na minha locadora ainda é metade do preço! Quer mais vantagens do que isso? Dos que a gente andou vendo eu gostei muito: Doze homens e uma sentença, O poderoso chefão I e II (visto, lido, revisto – o III não é tão bom), Pulp Fiction, Um estranho no ninho, Quero ser John Malkovich, Cães de aluguel, Taxi Driver. Vale, hein. Vale bem.

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Ah, também estou em um momento livros (o inverno chega, o corpo dá uma parada e a cabeça fervilha!), e tenho dois em especial para recomendar e comentar: As memórias do livro – daqueles que se devora - e Tetê a Tetê. Esse último, principalmente, me encantou, narrando a história da relação amorosa entre o Sartre e a Simone de Beauvoir. Relação única, diferente, impressionante. Com certeza ainda vou comentar detalhadamente este livro por aqui, mas por enquanto vou deixar uma frase da Simone que eu adoro só para deixar um gostinho:

“Que nada nos defina. Que nada nos sujeite. Que a liberdade seja a nossa própria substância’.

domingo, 17 de maio de 2009

boas vindas

...e o frio chegou! Se anunciou com um temporal, me batizou com o primeiro banho de chuva, só pra eu chegar em casa e sentir a alegria que dá tomar um banho quente e calçar pantufas com roupão e calça de plush! Passada a chuva, Porto Alegre amanheceu naquela que é a sua melhor moldura: o céu azul limpíssimo e folhas avermelhadas começando a escassear das árvores. Descendo a Plínio na minha bicicleta, o ar gelado entra pelo meu nariz e pela minha garganta, e depois de ver o Parcão sob essa luz incrível do outono, não vejo porque parar de pedalar. Passo a Redenção, onde o povo lagarteia sem passar calor, e a visão do lago dos pedalinhos chega a me comover, juro! Pela Cidade Baixa, o povo caminha sem pressa de encontrar um ar condicionado. Seguindo pela República, Borges, e em vez de rumar direto pro Guaíba, vou cumprimentar a minha rua preferida... passo pelo Caminho dos Antiquários, subo uma ladeira quase reta, e quando recobro o fôlego, tô na Duque. Vazia na manhã de sábado, preguiçosa, só as janelas abertas, pro sol entrar enquanto ninguém sai debaixo das cobertas. Vou deslizando, viajando nas fachadas e escutando Nina Simone, até o rio surgir na minha frente. E na orla uma rústica vai acabando, os corredores se incentivando, os copos d´água pelo asfalto. Eu sigo. Marinha, Beira-Rio, Iberê, Diário de Notícias, Tristeza... da entrada do Sétimo Céu volto a encontrar o Guaíba azul, esplendoroso, e me jogo pela Coronel Marcos, louca pra chegar na praia que eu só lembro que existe quando venho parar aqui perto. Não demora e tô na nossa Ipanema. Sem Posto 9, nem biscoito Globo, mas com um vai-e-vem de porto alegrenses encasacados, chimarrão em punho e um charme todo próprio. O passeio já dura mais de uma hora, mas eu sigo me impressionando com cada pedacinho da minha cidade sob a luz do outono. Parece que nessa época Porto Alegre se reapresenta a todos nós, como que dizendo: - Olha, tu vai me desculpar, mas eu passei uma época terrível, andei intratável, eu sei... são os famosos calorões, já sabe, né? Mas agora voltei à minha essência. Entra - melhor, sai - e fica à vontade!
Um fim de semana de vinho tinto, preguiça, cobertor e aconchego. De mesa cheia na casa da vó, de vô inspirado no fogão, de rock das antigas, de caminhar papeando com a mana, de encontrar os amigos e encerrar o domingo rindo, conversando e comendo bem. Época de me reapaixonar pela cidade. E de constatar, mais uma vez, que a vida é deliciosamente cíclica!
Próximos capítulos: lareira; quentão; pinhão; carne de panela; canga e livro na grama; chimarrão e bergamota; botas; meias calças; lenços e chapéus; filmes; pé na estrada; calor humano... e que tudo o mais vá pro inferno!

terça-feira, 12 de maio de 2009

Sabe aqueles dias cinzas? Não, cinzas não, cinza é lindo, deixa eu ver... dias verde musgo. Tem cor mais chata do que verde musgo? Não tem. Tô num dia assim hoje. Sempre acontece depois de fases de muita excitação, por qualquer motivo besta. Funciona assim, ó: tem uma fase reflexiva, em que eu penso muito, e olho o horizonte, e às vezes dou uma choradinha, outras vezes sorrio enigmaticamente. Fico meio com cara de paspalha por um período, olhando pra dentro e sem necessariamente fazer questão de compartilhar o que eu vejo, até por ainda não saber bem explicar. Depois, cheia de respostas na ponta da língua, catarse: falo pelos cotovelos, escrevo, me entusiasmo, e atraídos por essa energia, eventos mais empolgantes se juntam e eu fico toda algariada! Expansiva, sorridente, hesitante, hiperativa, ansiosa, tudo isso. E achando muito legal essa função toda. Aí chega uma hora, inesperadamente, em que me bate um fastio. É do nada! A expectativa que agora de manhã me tirou o fôlego e acelerou meu coração, agora tá me parecendo ridícula. Acabou a paciência, tô me dando um pára-te-quieto!
O amor é lindo, o tempo é senhor da razão, sei disso tudo e juro que concordo. Mas uma coisa com a qual eu não sei lidar são situações de stand-by. Fossa? Encaro, e em grande estilo, diga-se de passagem. Suspense? Só até a musiquinha agoniante começar a enjoar. Sabe aquela musiquinha que toca nos filmes do Hitchcock antes do sustão? Pois é, tirando o Hitchcock, quase todos os que se sucederam conseguem me tirar do sério antes de me fazerem pular da poltrona, e fora do cinema é igual: frio na barriga é muito divertido, mas se durar mais que o necessário vira um porre. Não, porre não, porre é mara. Até minhas analogias tão uó hoje... Enfim, tem um filme besta com o Antonio Banderas, que os filhos deles são uns piás espiões, e lá pelas tantas eles caem em um buraco. Os primeiros segundos são de gritos agudos e pânico total. Vários segundos depois, a guriazinha pinta as unhas em queda livre, enquanto o irmão dela lê um gibi, ou coisa que o valha. Tô igual.
Vai ver sou viciada em adrenalina emocional. Por trás dessa expressão sisuda tem uma psico-kamikaze que não é capaz de sossegar. Tá chovendo, por que raios eu não abro o caderno pra estudar mais um pouco? Ou, se o problema for preguiça, um filme seria ótima idéia! Mas não, eu tô com vontade de lutar esgrima ao ar livre, ou de correr pulando nas poças.
Vou fazer isso.

quinta-feira, 7 de maio de 2009

A ti.

Ele entrou na minha vida em 1999. Há exatamente DEZ anos.

Que eu me lembre, desde o início nós já ficamos amigos. É que não adianta, que opostos o quê: os iguais se atraem e lá no fundo a gente já devia saber que era tudo farinha do mesmo saco mesmo!!

Acontece que o que era só uma amizade foi se tornando algo muito maior, que eu nem bem sei explicar. Dizem até que a gente já ficou, fato que esse sem vergonha nem se deu ao trabalho de negar!!! Mas tudo bem, não foi para esses lados que a nossa amizade desandou mesmo... a coisa toda é muito mais bonita do que isso.

Meu irmão, companheiro, confidente. Parceiro master para todos os programas que eu mais adoro: tomar uma cervejinha, um vinho, conversar e filosofar enlouquecidamente, dançar em certas noites freneticamente, rir até chorar e doer a barriga, falar merda, jogar jogos (redundância??), comer, comer e comer (isso não é redundância, a gula é que é grande mesmo!), ir no cinema, fumar um cigarrinho, trocar idéias sobre livros, sobre o Zé, sobre o Alfredo (nossa, estou impressionada com a profundidade dos nossos papos!), compartilhar conselhos, ver seriados, fazer planos, sonhar em ir pra Nova York juntos algum dia. Uma das melhores conchinhas que existe é a dele, já acorda cantando... o único que já me cantou Ne Me Quitte Pás. E ao acordar. Que dia lindo aquele...

Dotado de uma personalidade única: completamente sociável, é amigo de todos os tipos de pessoas. Protetor quando o momento pede, se precisar dá uma bronca. Bronquinha, na real. Engraçado. Inteligente e super capaz, competentíssimo, vai crescer muito ainda, seja lá onde resolver se meter. Articulado, perspicaz, sensível.

A importância dele na minha vida é algo imensurável. Há um trecho de uma carta do Sartre para a Simone de Beauvoir que logo me lembrou a nossa relação, que eu poderia perfeitamente dizer para ele, se encaixa perfeitamente no que eu sinto (muito embora para mim seja sem a conotação amorosa/sexual que tinha originalmente para o Sartre):

“...meu amor, você não é ‘uma coisa em minha vida’ – nem mesmo a mais importante -, porque minha vida já não me pertence, porque (...) você é sempre eu”.

Não é lindo? E é mais ou menos por aí: eu já não consigo separar muito quem eu sou do meu grupo de amigos. Já não consigo imaginar como eu seria sem eles, pois eles já são definitivamente uma parte do que eu sou, fazem parte de mim. Não existiria essa Luiza sem eles. E ele é uma dessas pessoas, dessas que se confundem com o meu próprio “eu”.

Por isso hoje, no décimo aniversário que eu passo ao lado dele, só tenho a agradecer por ter essa pessoa única ao meu lado.

Te amo, meu bem.

...pensamentos, teorias e devaneios...