quarta-feira, 17 de agosto de 2011

Insustentável




Eis que eu estava lendo "A insustentável leveza do ser" e me deparo com essa passagem:

"A jovem falava da tempestade, o rosto banhado de um sorriso sonhador, e ele a olhava pasmo e quase envergonhado: ela vivera uma coisa bonita e ele não a vivera com ela. A reção dicotômica da memória dos dois à tempestade exprimia toda a diferença que pode haver entre o amor e o não-amor.
Por não-amor, não quero dizer que Tomas tenha se comportado com cinismo em relação a essa moça, que tenha visto nela, como se diz, somente um objeto sexual: ao contrário, gostava dela como amiga, apreciava seu caráter e inteligência, estava sempre pronto a ajudá-la quando precisasse. Não era ele que se comportava mal em relação a ela; era a sua memória que, independente da vontade, excluíra-a da esfera do amor.
Parece que existe no cerébro uma zona específica, que poderíamos chamar de memória poética e que registra o que nos encantou, o que nos comoveu, o que dá beleza à nossa vida. (...) Não havia lugar para ela na memória poética de Tomas. Só havia lugar para ela no tapete
".

PORRA, MILAN KUNDERA!

sábado, 13 de agosto de 2011

Conecting the dots

Não se pode dizer que o último ano de faculdade é uma coisa tranquila na vida de uma pessoa. Não só objetivamente, em relação a quantidade de coisas por fazer, mas também no aspecto subjetivo, na cabeça fervilhante de inquietações e ansiedade em relação ao futuro próximo. O que fazer, por onde seguir, será que vai dar certo, terei estudado o suficiente, vou ganhar dinheiro ou não, será que sou qualificada, qual o próximo passo, entre milhares de outros questionamentos que pipocam na nossa cabeça aleatoriamente, aparecendo do nada às dez da manhã de um sábado qualquer. Não há zen-budismo que aplaque o desequilíbrio desse milhão de dúvidas.

De qualquer forma, indo além dessa ansiedade latente, eu ainda consigo enxergar em mim, bem lá no fundo, alguma coisa parecida com tranquilidade, uma espécie de certeza de que a vida se encaminha de nos mostrar o caminho a seguir. Se eu pensar, saí do colégio nove anos atrás com a mais completa certeza de que em cinco eu seria uma arquiteta. Fiz, não gostei, e sem maiores dilemas morais fui procurar o que realmente me agradava, até então sem sequer cogitar a possibilidade de fazer Direito. Flertei com a Comunicação em um semestre de Cinema, fui dar uma banda por outro continente e enquanto isso continuava elaborando o que realmente me satisfaria profissionalmente. Lembro das associações mentais que eu fiz enquanto buscava entender o que realmente me agradava e posso dizer que, muito embora tenha sido um período de profunda racionalidade, acho que eu não entrei no Direito com completa certeza de que era aquilo que eu queria. E assim, meio tateando no escuro, me achei. Olhando para trás hoje, parece até meio estúpido eu não ter me dado conta antes do quanto tenho a ver com Direito. Por caminhos tortos, cheguei exatamente onde eu, mesmo sem saber, queria estar. Obrigada, escolhas erradas.

Stanford, 2005. Steve Jobs discursa para uma turma de formandos. Basicamente conta três histórias: fala sobre perda e morte e sobre como após as experiências podemos ligar os pontos e perceber como os tropeços nos fazem de alguma maneira chegar lá. "Connecting the dots". Não temos como fazer isso antes, mas lá no futuro, olhando para trás, podemos facilmente perceber como é fator determinante para alcançar o resultado esperado a experiência dolorosa. Ele cita o momento em que largou a faculdade e a sua demissão da Apple, a empresa que ele próprio havia criado, como as experiências mais devastadoras que teve e, ao mesmo tempo, as melhores coisas que podiam ter lhe acontecido. "Awful tasting medicine, but I guess the patient needed it". E segue Jobs:

"Sometimes life hits you in the head with a brick. Don't lose faith. I'm convinced that the only thing that kept me going was that I loved what I did. You've got to find what you love. And that is as true for your work as it is for your lovers. Your work is going to fill a large part of your life, and the only way to be truly satisfied is to do what you believe is great work. And the only way to do great work is to love what you do. If you haven't found it yet, keep looking. Don't settle. As with all matters of the heart, you'll know when you find it. And, like any great relationship, it just gets better and better as the years roll on. So keep looking until you find it. Don't settle.

Your time is limited, so don't waste it living someone else's life. Don't be trapped by dogma — which is living with the results of other people's thinking. Don't let the noise of others' opinions drown out your own inner voice. And most important, have the courage to follow your heart and intuition. They somehow already know what you truly want to become. Everything else is secondary
".

Porto Alegre, 2011. Palestra com os estagiários do escritório onde eu trabalho pelo CEO da firma, outro exemplo de pessoa brilhante que nos mostra que ninguém chega lá à toa. Dentre os conselhos para o futuro, um crucial: "mantenham-se sempre com um friozinho no estômago. Enquanto vocês tiverem esse friozinho, é sinal que estão indo pelo caminho certo. Não se acomodem". Voltando ao discurso do Jobs, seu fim é com a citação de uma frase de despedida de um periódico dos anos 70, como conselho para os recém formados e um exemplo do que ele próprio busca constantemente:

"Stay hungry. Stay foolish".

Não posso prever o futuro e não tenho como fugir do medo natural dessa época da vida, mas de um simples discurso de formatura e de uma palestra de fim de tarde no trabalho consigo ver que, por mais aterrorizante que seja essa fase, lá no futuro eu vou ligar os pontos e ver que intuitivamente eu segui o caminho certo. Eu faço o que gosto. Acredito na minha intuição. E o friozinho no estômago está aqui, graças a Deus.

...pensamentos, teorias e devaneios...