domingo, 14 de outubro de 2007

Insônia

Não são nem 11 horas, nem seriam 10 se o horário de verão não tivesse começado hoje (ou ontem?), mas o título nada mais é do que uma antecipação. Porque eu terei insônia essa noite, disso não há dúvidas. Levantei de um salto da cama há poucos minutos, quando me convenci de que a minha leitura jurídico-filosófica não iria progredir. Por mais lindamente que o Professor Humberto Ávila discorresse sobre regras, normas e princípios, minha cabeça zapeava por violência urbana, vegetarianismo, intercâmbio na Alemanha e o onipresente sentido da vida.
Fiquei meio puta quando vi que não ia ter jeito de convencer a minha mente a se aquietar, afinal eu prezo tanto a possibilidade - rara - de deitar cedo no domingo, sozinha, cercada só de livros que eu quero ler e revistas que eu quero olhar, com tempo de sobra pra manusear cada um deles e ainda dormir a tempo de ter um bom descanso e acordar antes das 6h pra correr... Mas não. Pensei em escrever à mão mesmo, só pra "vomitar" todas as idéias, dúvidas e divagações, mas só fiquei mais perturbada quando mirei a gaveta na qual poderia haver um bloquinho pras minhas anotações. A bagunça caótica do meu quarto, portanto, me expulsou de lá, ainda que escondida dentro de gavetas como essa. E eu me lembrei desse canal, que eu não freqüentava há tanto tempo... por quê mesmo?
Almocei um xis vegetariano, depois li uma matéria sobra a Stella McCartney e sua moda ecologicamente correta, e ainda há pouco meu livro de Direito Ambiental me espreitava, como que a perguntar quando eu estudaria para a prova de quarta-feira. Ignorei. Enfim, tudo isso para dizer que ando pensando muito em me tornar vegetariana. Não completamente, porque sushi, paella, camarõezinhos empanados e marisco à vinagrete são indispensáveis à minha felicidade. E também, eu não me identifico tanto com os seres marinhos a ponto de afirmar que não conseguiria me alimentar deles. Seria hipocrisia. Eu sou Capricórnio, signo de Terra. Mas vacas e galinhas, dessas eu me compadeço. Sem contar que depois de um churrasco eu fico imprestável por umas 48 horas. E os restaurantes vegetarianos do Centro e do Bom Fim são tão maravilhosos, me fazem sentir tão saudável, leve e politicamente correta (exceto pela minha primeira vez no Govinda, quando eu vestia um casaco de couro que deve ter usado um bezerro inteiro e almocei temendo um bombardeio de tofu a qualquer momento, por parte dos outros comensais). De modo geral venho pensando muito em fazer o bem para corpo e mente, e isso se enquadra nesse campo. Queria também meditar, aprender mantras, fazer yoga mais vezes. Mas uma coisa de cada vez. Por enquanto, passo a pregar: não coma nada que tenha um rosto! Mas se for rosto de peixe morto, pode comer.
Depois do xis vegan, no fim de tarde, fui ao cinema. Programinha de domingo, antes da sessão uma música clássica bem primaveril, quase etérea, dava o tom na sala do Guion. Todos bem relaxados. Ideal pra levar uma voadora no estômago, que foi o que se seguiu na sessão de "Tropa de Elite". Anda se falando tanto nesse filme, já é quase lugar-comum, mas é impossível não falar de uma história muito verdadeira - principalmente quando mostra que gente como eu, vocês e a maioria das pessoas que a gente conhece tem muito a ver com isso. Muito mais do que se gostaria de admitir. O filme mostra, entre outras coisas, alunos de uma faculdade de Direito com pinta de alternativos, com uma suposta vontade de fazer a diferença, e que entre um trabalho em grupo e uma atividade na ONG, acendem um baseadinho inocente. Inocente o caralho. Fica muito clara a relação direta dos bem nascidos, usuários eventuais, com a barbárie que se desenrola na favela. Nada que um rápido raciocínio já nos levasse a concluir, mas quem é que se presta a esse raciocínio? Quem não se justifica dizendo que cabe ao governo legalizar as drogas, e não a mim abrir mão do meu baseado? Quem não simpatiza com a maconha, droga leve, que não mata, que abre a mente, que traz um agradável torpor, que é alvo de apologias pelos artistas mais identificados com o público cabeça-feita? Pois eu digo pra vocês: gosto de um baseado, me sinto bem depois de fumar, também acho que devia ser legalizado. Mas me deu um misto de remorso e desprezo por mim mesma pensar que antes da sessão, eu esmurrugava uma pedrinha no carro. Vontade de fazer alguma coisa, de ter uma vida que mude em algum aspecto a realidade. Sigo pensando nisso enquanto trabalho meio turno resolvendo os problemas de grandes empresas que querem agilizar seu licenciamento ambiental. É, não era pra ser franca?
No fundo de tudo, uma leve ansiedade: amanhã de manhã vai rolar uma seleção na faculdade, pra um semestre de intercâmbio na Universidade de Heidelberg. Não comentei muito isso, mas a verdade é que eu tô louca pra ir. Já andava pesquisando as possibilidades por conta própria, quando abriu esse processo. Queria muito passar um tempo fora, estudando em um lugar por onde já passaram gênios, aprendendo uma língua nova... Mas por outro lado, tô tentando não criar muita expectativa. Não tenho o perfil do aluno que seria selecionado pra esse tipo de intercâmbio. Meu histórico acadêmico tem vários "c", "ff" e afins. Nunca participei de grupos de estudo. Só tenho a meu favor as melhores intenções. Seja o que Deus - e a banca examinadora - quiser...
Já são 11 e meia. Depois dessa catarse, que rendeu quase um tratado, minhas previsões se confirmam: insônia, sem dúvida.

...pensamentos, teorias e devaneios...