segunda-feira, 21 de dezembro de 2009

Coisas de fim de ano...


Eu tenho que confessar que não entendo muito as pessoas que acham fim de ano melancólico. Para mim, desde criança, essa é uma época deliciosa. Naqueles idos eu certamente devia creditar a minha adoração aos presentes, mas agora (já que estes diminuem na mesma proporção com que a idade aumenta) eu percebo que mil coisas me fazem feliz a essa altura do ano: adoro a sensação de que, com o ano que chega, vem junto uma nova chance de melhorar o que está ruim, de se fazer o que não se fez. Pode ser ilusório, mas amo fazer mil planos para o ano que está chegando e acreditar mesmo que eu vou cumpri-los. Gosto de ficar relembrando o que aconteceu no ano que passou, as coisas boas, as novidades, os ganhos e as perdas. Perceber o quanto eu vivi e o quanto eu mudei neste intervalo de 365 dias. Mas, acima de tudo, tenho verdadeira paixão pelas confraternizações.

É festinha da empresa, da faculdade, dos amigos, da família. É tão raro conseguir juntar todo mundo nesses tempos corridos, mas no Natal todo mundo dá um jeito! Para mim não tem nada melhor do que a familiarada reunida, aquela bagunça e falação geral; poucas coisas são mais divertidas do que as festas e confraternizações de fim de ano do escritório, quando a gente passa a conhecer um outro lado daqueles com quem convivemos todo dia. Por fim, o fim de ano da EQUIPE, sempre uma delícia. Pessoas com quem convivo o ano inteiro, com quem falo todo dia, que me conhecem realmente, me divertem, sofrem junto, para quem peço ajuda, conto tudo, sou eu mesma. A família que eu escolhi, uma das coisas que eu mais me orgulho de ter conquistado/construído na minha vida.

Esse ano, porém, a festinha equipística teve um quê diferente. Somavam-se em mim dois sentimentos distintos: a óbvia alegria de estar ali e a incômoda sensação de não saber como vai ser no ano que vem. Pois é, 2010 promete ser um ano de mudanças, algumas já confirmadas, outras com grandes possibilidades de ocorrer e mudança sempre traz medo – apesar de também trazer crescimento. Mas não adianta: me dá um aperto enorme no coração pensar que ano que vem o desfalque pode ser grande na nossa já tradicional festa de fim de ano, coisa que naquele fim da adolescência, quando começou, parecia que seria para sempre... assim como parecia ser para sempre a presença de cada um da EQUIPE no meu dia a dia.

Eu sei que as mudanças vão ser para melhor, que com tudo se acostuma e principalmente: que não tem distância que separe o que anos de amizade e muita coisa em comum reuniu. Mas que o pensamento de que não terei toda a EQUIPE para compartilhar uma quantidade considerável de álcool enquanto tomo banho de piscina de noite e falo merda usando trajes sumários deixa esse meu fim de ano um pouquinho mais melancólico, ah isso deixa. E assim talvez eu passo a entender aquelas pessoas que eu citei lá no início. De repente entendê-las-ei ainda melhor ano que vem – ou, ao contrário, começo a desacreditá-las de vez.

sexta-feira, 18 de dezembro de 2009

Cidade Fantasma

Numa semana muito chuvosa em Porto Alegre, num curto período de tempo em que estava apenas nublado, vinha eu andava de ônibus pela avenida Don Pedro II na direção da Avenida Assis Brasil até o Teatro do CIEE que fica na própria Dom Pedro. O ônibus vinha balançando comigo sentado no banco do corredor e um monte de gente a minha volta. Pessoas com as axila bem expostas, com os braços agarrados nas barras de ferro pintadas de amarelo. E o ônibus balançando. Eu tinha certeza que cada vez entravam mais pessoas, enquanto pouquíssimas saiam. E cada vez mais gente passando e balançando e sua região pélvica perto da minha boca, nariz e olhos.

Quando percebi que entramos na rua que eu queria, mesmo não sendo a parada mais próxima do meu destino, sabia que estava perto. Me levantei com uma mistura de coragem, nojo, raiva e outros sentimentos parecidos com esses, puxei a cordinha vermelha que eu fiquei com medo de arrancar caso o motorista desse uma freada justo no momento em que eu estava com a mão enganchada nela. Fui meio com pressa me roçando nas pessoas o mais rápido que podia, mas ao mesmo tempo tinha uma certa cautela com medo de levar um safanão. Cheguei perto da porta dos fundos, o motorista freou, abriu a porta e logo que desci arrancou rapidamente.

Eu, que portava minha pasta cinza claro e um livro pesado de 30cm por 30cm, tropecei no cordão da calçada e, de muito mal humor, dei de cara com um prédio enorme, cinza escuro, sombrio, com janelas de ferro e os vidros foscos na sua maioria quebrados, como se vândalos tivessem apedrejado todas as aberturas no intuito de acertar os espaços internos ou as pessoas que lá estavam. Outra alternativa possível seria que uma guerra civil tivesse acontecido ali com direito a tiroteios e tudo mais que possa envolver uma guerra desse tipo.

Fiquei pensando o que é que poderia ter acontecido naquele elefante gigante que estava perdido no meio de uma zona cheia de novos prédios comerciais de milhares e milhões de reais como se fosse invisível. Como pode ser que eu nunca o tivesse percebido, perguntava a mim mesmo. Onde já se viu uma coisa de cimento cor de grafite, toda manchada de mofo, de manchas que de certo escorriam do ferro enferrujado das janelas podres? O que aquilo estava fazendo ali? Totalmente deslocado. Cheguei a pensar em uma instalação da Bienal do Mercosul, em que tudo é arte. Certa vez, me lembro de ter visto, nesse caso num museu, uma sala toda de tijolos e com cimento no chão. Em construção. O artista dizia que aquela sala era com um caderno que tinha que ser completado com o conteúdo. Vá que o tal elefante gigante mau cheiroso fosse uma obra desse mesmo autor, cujo nome não vale ser lembrado.

Depois do meu compromisso no teatro, decidi dedicar algumas horas para investigar o que poderia ser aquilo. A construção ocupava toda a quadra. Peguei a rua lateral, e a aparência só piorava. Ou, pensando bem, melhorava porque o muro lateral estava todo pichado, o que, de certa forma, tirava um pouco a atenção para o mausoléu que ficava dentro do muro. Visto que pichação tem em qualquer lugar na cidade, essas até traziam um ar de normalidade para o prédio. Segui até a rua de trás, e a fachada de entrada do edifício era do mesmo cinza grafite manchado e com as janelas quebradas. A diferença é que não tinha muro na volta, e o horror ficava cara a cara com o observador. A entrada principal estava trancada com uma grade de alumínio com um fundo branco que formavam uma porta grande com abertura no meio. Ao lado, uma espécie de janela grade de ferro pintada de verde e já toda descascada, e mais adiante havia uma outra entrada com grade de correr, de cima para baixo com um rolo, onde se enrola a grade de ferro com pequenos buracos ovais, na parte de fora expondo suas quebraduras e ferrugens. Algumas janelas estavam abertas, mas não se percebia sinal algum de qualquer ser humano vivo que pudesse estar circulando ali naquele momento ou, sequer, que tivesse circulado nos últimos cinco anos.

Graças à natureza, algumas árvores davam uma leve disfarçada na fachada, mesmo tirando a luz e dando mais sobriedade. Em cima da porta principal estava o nome em preto com letras gordas escrito Corlac, a antiga companhia de laticínios que pertence ao Estado do Rio Grande do Sul. É um lugar tão abandonado que cheguei a ficar com medo. Com todas as ações corruptas que se vem e ouvem todos os dias, achei que o lugar era perfeito para se planejar um belo crime e esconder provas de qualquer coisa. A porta estava trancada. Bati, gritei baixinho e, convenhamos que graças aos Deuses ninguém atendeu. Teria tomado um susto mesmo se a pessoa mais bela e educada do mundo tivesse me aberto a porta. Eu teria certeza que se trataria de um fantasma. Mas, aparentemente, os únicos ruídos que vinham lá de dentro eram de um lento desabamento do concreto e dos ratos circulando por cima das poças de água acumuladas das fortes chuvas da semana.

Fiquei preocupado com esse buraco negro que existia na cidade. Era como se eu tivesse, ao saltar do ônibus, atravessado um portal mágico para uma outra dimensão que, de repente, pairava gigante diante dos meus olhos. Descobri que existem em Porto Alegre mais de 100 portais mágicos como este espalhados pela cidade, e todos do governo do Estado do Rio Grande do Sul. Há alguns outros também abandonados, porém privados, mas que também dizem respeito ao governos, levando em consideração que ficam em zonas centrais da cidade onde pessoas circulam e acabam, em função disso, sendo obrigadas e conviver com a leptospirose, a dengue, a gripe A ou simplesmente com o cheiro fétido que circula por zonas como a Voluntários da Pátria, a Duque de Caxias, o viaduto da Farrapos que emenda no túnel, onde prédios abandonados ou repartições públicas esquecidas pelo governo se encontram.

Porto Alegre é de fato uma cidade assustadora. De um lado vemos tanta coisa nova em construção, alguns poucos prédios tradicionais da cidade sendo reformados e quando eu achava que a cidade estava se modernizando, PA! Me dou conta de que os fantasmas estão escondidos assombrando as pessoas que circulam distraídas pelas ruas preocupadas com as superlotações dos ônibus ou pensando em fazer arte.

O mais engraçado ou trágico é que muitos desses edifícios abandonados são usados ou para depósito de móveis que não tem mais uso, como computadores velhos, ar condicionados estragados e tralhas em geral, ou socam uns grupos e órgãos de artes cênicas lá dentro pra eles não reclamaram mais.

Eu gostaria de chamar os Ghostbusters, sejam eles cidadão conscientes, políticos engajados ou empresários que ocupem lugares como esses e passem um aspirador gigante sobre as construções que inundam de lixo e medo essa principal cidade do povo que se orgulha tanto de ser avançado em relação aos outros. Esses que assim falam, certamente ainda não se depararam com os fantasmas que estão circulando por toda a parte. Fffrrrrrrr. Um calafrio.

quarta-feira, 9 de dezembro de 2009

Pipoca

Depois de um período de marasmo cinematográfico na cidade, estrearam há pouco vários filmes que eu andava há tempos querendo assistir. Em vista disso, me propus a ir ao cinema todos os dias desta semana, e embora seja recém terça feira, já me coçaram os dedinhos pra escrever por aqui.
Ontem o eleito foi Julie & Julia. Com a sinopse falando em comida, Cordon Bleu, blog e Meryl Streep, evidente que eu criei grandes expectativas. Mas confesso que no pós-filme cheguei a comentar com alguém que a minha porção cozinheira tinha gostado, enquanto que a porção restante tinha dormido do início ao fim... Meus olhos brilharam nas cenas que envolviam assassinatos de lagostas, suflês de alturas vertiginosas, feiras e boulangeries, mas as historinhas que justificavam toda a comilança não despertaram em mim qualquer emoção além do tédio. Saí do cinema creditando esse desdém ao meu coração de pedra, incapaz de se emocionar com historinhas bonitinhas e mimimí, então nem dei bola, já sei que sou assim mesmo...
Porém, ainda que eu tenha achado a Julia Child muito mala, soltando uns guinchos estridentes a todo momento, e a Julie Powell meio bobinha, com seus constantes meltdowns, as idéias por trás das respectivas histórias me agrada bastante. A primeira era esposa de um diplomata, foi parar na França por conta do trabalho do marido e lá resolveu estudar culinária pra ocupar o tempo, já que o que mais amava fazer na vida era comer. Virou um fenômeno de popularidade e apresentou aos americanos a arte da cozinha francesa. A segunda era uma burocrata, frustrada com o emprego e o apê-ovo no Queens, que decidiu fazer todas as receitas do livro da JuliA ao longo de um ano, postando tudo em um blog. Buscava um novo sentido pra vida, e a empreitada acabou dando muito certo. Por que eu não gostei do filme mesmo? No fundo, acho que impliquei com as duas por ela serem extremamente americanas, uma se recusando a falar francês na França (ou falando DAQUELE jeito...), e a outra um tanto histérica e manteiga derretida (o que ela tomaria como um elogio, garanto).
Hoje é que eu fui me dar conta, por contraste, do real motivo para eu ter torcido o nariz pras "Juliettes": sou muito mais Coco. Pois é, fui ver Coco avant Chanel e cheguei a essa conclusão. A francesinha meio antipática, que não fazia a menor questão de agradar - e ainda assim agradava, segue agradando -, sel made woman, que jamais soube se imaginar como "a esposa de alguém", etc., etc., fez muito mais a minha cabeça. Que os atributos citados não passem uma idéia equivocada: Chanel não foi uma workaholic fria, calculista, desprovida de sentimentos. A mulher amou demais, foi igualmente amada, sofria com o abandono do pai, teve medo de meter os peitos e ir ganhar a vida fazendo chapéus em Paris, tudo isso... E mais, ela sempre soube que não poderia se dar ao luxo de aguardar a aparição de um marido rico que a sustentasse - sem contar que definitivamente não tinha o temperamento que se esperava de uma boa esposa naquela época...
O filme não é nenhuma obra-prima, mas permite que se compreenda bem essa aura de austeridade e mito que cerca a dama que alçou pérolas, tailleurs, bolsas de matelassê com alças de corrente douradas e a cor preta ao status de ícones de estilo atemporais.
Eu sei que é muito fácil aplaudir de pé uma personagem que incorpora com tanta elegância aqueles defeitos mais arraigados em mim mesma. Por outro lado, surge um certo mal estar quando se percebe que muitas vezes, esse tipo de personalidade pode redundar em uma solidão tremenda. Por isso, farei algumas concessões: quando crescer, quero ser uma combinação dessas mulheres todas - cozinheira de mão cheia, e independente, sim, mas com espaço pro riso, pro amor e pra uma que outra frivolidade na vida. E sempre com pérolas em volta do pescoço (bossa que Julia, Julie, eu e milhões de mulheres pelo mundo herdamos de Mademoiselle Chanel).

...pensamentos, teorias e devaneios...