sexta-feira, 13 de junho de 2008

doutor, é normal...?

Como é engraçado - e às vezes sort of creepy - quando a poeira baixa depois de grandes catástrofes nas nossas pequenas vidas, e a gente, que há pouco tava no olho do furacão, passa a enxergar os últimos eventos com mais leveza. Me fascinam as constatações que brotam da mente nessa transição, e o créme de la créme de tudo isso, certamente, é o humor negro: será sadismo da minha parte deixar as pessoas desconcertadas ao verem a transformação dos meus dramas pessoais em tragicomédias? Tomara, humor negro E sadismo, a-do-ro!
Mas vamos primeiro ao divã: apesar de toda a lengalenga de dor e impotência, meu último acidente me trouxe dois insights referentes à questão da cicatriz que pode ficar. Primeiro: finalmente uma cicatriz! A vida inteira eu maldisse a sina dos primogênitos de serem obssessivamente cuidados por suas mães. Tá, e o que tem a ver uma coisa com a outra? Explico: como primeira filha, minha missão era estar sempre limpinha, arrumadinha e a salvo de qualquer perigo. Resultado: nenhum arranhão, nadica de histórias hilárias de grandes traquinagens, nem um único tombo, um membro engessado com assinaturas do colégio inteiro, nada! Isso me frustra até hoje... Então, se ficar uma cicatrizinhainhainha, não faz tanto mal assim, juro. Segundo, mas bem afim ao primeiro item: currículo. A cozinha não é só um ambiente de trabalho. A comida é minha vida, meu trabalho sempre será permeado pelas minhas impressões a respeito de tudo que me cerca, e o aprendizado decorre do empirismo, muito mais do que de leituras, certificados, etc. Dito isso, essa experiência, por mais traumática que tenha sido, me deixou com uma pontinha de orgulho. Desde a primeira vez que trabalhei em um evento de verdade, depois de incontáveis horas na cozinha, com o corpo todo dolorido, a cabeça girando, pequenos cortes e leves queimaduras nas mãos, experimentei uma sensação muito gratificante, além do prazer dos comensais. Uma sensação de dever cumprido, de fazer a diferença na hora que o bicho pega, de carregar comigo marcas do meu trabalho, que é também a minha paixão. Dessa vez a marca deixada foi um pouco mais dolorida, e mesmo que a pele volte a ser o que era antes, a lembrança vai ficar impressa. Se ficar cicatriz (inhainhainha), e alguém me perguntar, vou responder faceira: é um sinal do que eu faço, do que eu sou. Minha marca de batismo no mundo das panelas!
Não, não tô rezando pra ficar com a pele retorcida ou manchada. Mas acho que me identifico com aquelas mulheres da propaganda da Natura (ou Avon, ou Dove, sei lá), que dizem a idade, exibem as rugas e as cicatrizes sem o menor constrangimento, por uma razão muito simples: são essas coisas que nos tornam o que nós somos. E que coisa boa constatar que o pacote completo nos agrada, com defeitos, qualidades, cheiros, cicatrizes, dias bons e dias ruins.
Olha, acabou ficando tão ternurinha esse último parágrafo, que eu até desisti de falar do meu leve sadismo e do humor negro. Essas características são das minhas favoritas no tal "pacote completo", mas não combinam com a leveza desse post. Paro por aqui.

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