domingo, 22 de junho de 2008

A influência das estações do ano

Por que será que as condições climáticas mantêm tão estreita relação com as oscilações internas de um ser humano? Vejamos o caso dessa personagem: uma jovem de seus vinte e poucos anos, morando na cidade de Porto Alegre. Ela será nosso hamster nessa experiência. Desnecessário dizer que todas as constatações advirão de método empírico, baseadas na observação dos eventos já ocorridos e de suas conseqüências na vida de nossa cobaia, já que de nada adianta chorar sobre o leite derramado.
Inverno/2007: um relacionamento estável (e também cheio de amor). Um estágio promissor (e muitas horas de trabalho). Vida acadêmica medíocre (tempo e disposição comprometidos pelos itens anteriores). Uma rotina sem muitas variações (feliz, e também esgotada). Dilemas: como conciliar casamento e carreira diplomática? Como ser vegetariana e continuar comendo peixe? Como conseguir trabalhar 8 horas por dia, estudar à noite, namorar, ter vida social, fazer esportes E dormir sem entrar em colapso?
Primavera/2007: flexibilização da carga horária (trabalho, só à tarde); aulas pela manhã (e que desempenho!); namoro de bem a melhor (será o hamster da vida dela?); excelente alimentação (saúde de ferro); roedora saltitante pela gaiola! E começa a esquentar - muito - na capital gaúcha. Inicia-se uma leve inquietação... Nossa pequena cobaia passa a manter sua rodinha na casa do 170 giros por minuto. Inserção de evento atípico: viagem a cidade onde o verão já se havia instalado, acachapante. Alterações bruscas nos gráficos, avaria de uma série de aparelhos medidores. Conseqüências catastróficas no retorno à gaiola. Saldo: fim do namoro. Pedido de demissão. Férias. Pane no laboratório.
Verão 2007/2008: hamster apaixonada, ainda sob efeito da exposição precoce ao calor... reformou a gaiola pra abrigar uma cozinha com vista para o mar. Freqüentemente ausente, vista nos arredores do Rio de Janeiro. Mas saltitante do que anteriormente, ainda que alternando momentos de culpa e incerteza.
Situação-problema: temperaturas elevadas prosseguem, nova rotina instalada. Alguns lugares são os mesmos - a cidade é a mesma -, algumas pessoas são as mesmas. Ela, não. Agora, reveza-se entre a rodinha e o túnel, ocasionalmente roendo a gaiola. Transtorno aparente.
Outono/2008: algumas chamas apagadas com a brisa, seguem em brasa. Outras com baldes de água gelada. Uma arde, alheia às chuvas. Lágrimas proporcionais às águas de março. Incômodo no veranico - o calor traz reminiscências que a menina quer apagar. Pelo menos por enquanto. Dias que amanhecem gelados, entardecem quentes e anoitecem frescos: é um chorar-sorrir-ouvir funk-ler nietzsche-meditar-tomar um porre, tudo, muito, ao mesmo tempo, agora. Impõe-se uma intervenção, a fim de evitar que o hamster entre em burnout. Diante da constatação de que a água gelada só fez instalar a quase-histeria, parte-se para o método oposto, já estando o cientista prevenido quanto às manifestações iniciais.
Inicia-se a convalescença, e pouco a pouco, a calma. Introspecção. Companhia dos hamsters de fé. Gaiola aconchegante e convidativa. Hamster híbrido, troca de pele. E sai a caminhar no 1º dia do inverno. Sem pressa, sem dor, sem ressentimentos.
"Je ne regrette rien", cantarola a pequena roedora, pensando que Porto Alegre deve ser uma cidade-mulher, com tantas oscilações... Pelo menos ela se identifica com a cidade: no verão, não cabe em si, nenhuma sombra traz alívio, e à noite o castigo escaldante parece quase doce, nas mesas de bar, bebida gelada e amigos rindo alto. E assim como a cidade parece caótica, ainda que cheia de árvores em flor, ela parece ter dificuldade em lidar com esse clima que deixa todo mundo muito mais exuberante. Nos dias frios e chuvosos, Porto Alegre convida pra entrar, pra vinho, lareira, amor... ou alguma leitura, um pouco de melancolia e outro tanto de chocolate. Quando São Pedro não se decide, o cabelo não se define, o humor não se estabiliza, e assim como faz calor quando devia fazer frio, ela mete os pés pelas mãos com mais freqüência do que de costume.
Mas como é fácil acreditar que tudo vai ficar bem nos dias em que Porto Alegre fica gelada e ensolarada. E linda.

2 comentários:

Luiza disse...

Será estranho eu me identificar tanto com um hamster???

Anônimo disse...
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...pensamentos, teorias e devaneios...