domingo, 29 de junho de 2008

Interim

Primeiro semestre acabando, aniversário já passou, férias chegando... como são bons os fins de ciclos! O meio sempre é mais chato, a rotina, a repetição. Apesar de ser no "meio" que a vida realmente acontece.



Terminar as coisas dá aquela sensação boa de dever cumprido, nos permite ponderar sobre fatos e atos, nos faz planejar o futuro próximo e sonhar e sonhar e sonhar...



E tem coisa melhor do que sonhar?

segunda-feira, 23 de junho de 2008

My blueberry nights

Poesia, pura poesia.

Louca para que saia em DVD para ver de novo e de novo e de novo...

domingo, 22 de junho de 2008

A influência das estações do ano

Por que será que as condições climáticas mantêm tão estreita relação com as oscilações internas de um ser humano? Vejamos o caso dessa personagem: uma jovem de seus vinte e poucos anos, morando na cidade de Porto Alegre. Ela será nosso hamster nessa experiência. Desnecessário dizer que todas as constatações advirão de método empírico, baseadas na observação dos eventos já ocorridos e de suas conseqüências na vida de nossa cobaia, já que de nada adianta chorar sobre o leite derramado.
Inverno/2007: um relacionamento estável (e também cheio de amor). Um estágio promissor (e muitas horas de trabalho). Vida acadêmica medíocre (tempo e disposição comprometidos pelos itens anteriores). Uma rotina sem muitas variações (feliz, e também esgotada). Dilemas: como conciliar casamento e carreira diplomática? Como ser vegetariana e continuar comendo peixe? Como conseguir trabalhar 8 horas por dia, estudar à noite, namorar, ter vida social, fazer esportes E dormir sem entrar em colapso?
Primavera/2007: flexibilização da carga horária (trabalho, só à tarde); aulas pela manhã (e que desempenho!); namoro de bem a melhor (será o hamster da vida dela?); excelente alimentação (saúde de ferro); roedora saltitante pela gaiola! E começa a esquentar - muito - na capital gaúcha. Inicia-se uma leve inquietação... Nossa pequena cobaia passa a manter sua rodinha na casa do 170 giros por minuto. Inserção de evento atípico: viagem a cidade onde o verão já se havia instalado, acachapante. Alterações bruscas nos gráficos, avaria de uma série de aparelhos medidores. Conseqüências catastróficas no retorno à gaiola. Saldo: fim do namoro. Pedido de demissão. Férias. Pane no laboratório.
Verão 2007/2008: hamster apaixonada, ainda sob efeito da exposição precoce ao calor... reformou a gaiola pra abrigar uma cozinha com vista para o mar. Freqüentemente ausente, vista nos arredores do Rio de Janeiro. Mas saltitante do que anteriormente, ainda que alternando momentos de culpa e incerteza.
Situação-problema: temperaturas elevadas prosseguem, nova rotina instalada. Alguns lugares são os mesmos - a cidade é a mesma -, algumas pessoas são as mesmas. Ela, não. Agora, reveza-se entre a rodinha e o túnel, ocasionalmente roendo a gaiola. Transtorno aparente.
Outono/2008: algumas chamas apagadas com a brisa, seguem em brasa. Outras com baldes de água gelada. Uma arde, alheia às chuvas. Lágrimas proporcionais às águas de março. Incômodo no veranico - o calor traz reminiscências que a menina quer apagar. Pelo menos por enquanto. Dias que amanhecem gelados, entardecem quentes e anoitecem frescos: é um chorar-sorrir-ouvir funk-ler nietzsche-meditar-tomar um porre, tudo, muito, ao mesmo tempo, agora. Impõe-se uma intervenção, a fim de evitar que o hamster entre em burnout. Diante da constatação de que a água gelada só fez instalar a quase-histeria, parte-se para o método oposto, já estando o cientista prevenido quanto às manifestações iniciais.
Inicia-se a convalescença, e pouco a pouco, a calma. Introspecção. Companhia dos hamsters de fé. Gaiola aconchegante e convidativa. Hamster híbrido, troca de pele. E sai a caminhar no 1º dia do inverno. Sem pressa, sem dor, sem ressentimentos.
"Je ne regrette rien", cantarola a pequena roedora, pensando que Porto Alegre deve ser uma cidade-mulher, com tantas oscilações... Pelo menos ela se identifica com a cidade: no verão, não cabe em si, nenhuma sombra traz alívio, e à noite o castigo escaldante parece quase doce, nas mesas de bar, bebida gelada e amigos rindo alto. E assim como a cidade parece caótica, ainda que cheia de árvores em flor, ela parece ter dificuldade em lidar com esse clima que deixa todo mundo muito mais exuberante. Nos dias frios e chuvosos, Porto Alegre convida pra entrar, pra vinho, lareira, amor... ou alguma leitura, um pouco de melancolia e outro tanto de chocolate. Quando São Pedro não se decide, o cabelo não se define, o humor não se estabiliza, e assim como faz calor quando devia fazer frio, ela mete os pés pelas mãos com mais freqüência do que de costume.
Mas como é fácil acreditar que tudo vai ficar bem nos dias em que Porto Alegre fica gelada e ensolarada. E linda.

quarta-feira, 18 de junho de 2008

Maquinações

Emails, emails.

Uma coisa boa dessa nossa época é que ninguém pode negar a existência de democracia. Não necessariamente a democracia do ponto de vista político, no dicionário “forma de governo na qual o poder emana do povo e em nome dele é constituído”. Essa realmente ainda não existe em muitos lugares e é, sem dúvida, um objetivo a ser constantemente buscado. A democracia de que eu falo é no outro sentido, mais amplo: “soberania popular; igualdade”. Nunca se viu um tempo de tanta igualdade, principalmente em relação a liberdade de expressão. Em tempos de internet, blogs, emails, you tube, quem quiser ser ouvido será. Para mostrar para o mundo sua opinião, basta meio duzia de cliques.

Falei, falei e não disse a que vim. Na verdade entre os emails que recebo, um em particular chamou a minha atenção e me deu uma vontadezinha de comentar. Pra quem tiver paciência, lá vai:



Credibilidade (se é que um dia houve) de pesquisa interativa da RBS é posta em dúvida
Muitas reclamações sobre a pesquisa interativa realizada na noite da última quarta-feira, 11/6, no programa Conversas Cruzadas (TVCom/RBS) sobre a ação da Brigada Militar na manhã de terça-feira. A pesquisa perguntava se a ação dos policiais foi correta ou exagerada. Muita gente ligou para a opção "exagerada", no número 3299-2362 e não conseguiu completar a chamada. Ora recebiam uma mensagem dizendo que o número não existia, ora a ligação não era completada. No final, a interativa deu 84% a 16% a favor da ação da Brigada, com direito a entrevistas ao vivo realizadas com empresários na sede da Fiergs.
Um dos milhares de telespectadores que tentou diversas vezes e sem sucesso ligar para a opção "exagerada", no número 3299-2362 do programa, foi o assessor da Secretaria de Políticas Sociais do Sintrajufe, Caio Britto. Em e-mail ao programa enquanto este estava no ar e a interativa valendo, Caio informava o ocorrido e cobrava providências. Em resposta, a produção do programa informava que "o problema técnico que tivemos impossibilitou chamadas para os dois telefones. O resultado divulgado é o computado das ligações do período que o sistema estava funcionando" , dizia a mensagem, que também pedia a "compreensão" do telespectador.

Mais manipulação - Na mesma noite, mas antes do programa dos Sirotsky, o Jornal Nacional, dos patrões e sócios da RBS, ao noticiar "os conflitos de rua ocorridos em Porto Alegre", o telejornal "informou" que se tratou de uma invasão da Via Campesina a um supermercado para protestar contra a alta do preço dos alimentos. Isso e nada mais. Omitiu-se, entre outros, o pequeno detalhe de que se tratava de um protesto contra a corrupção no governo Yeda Crusius e que os policiais agiram para evitar que os manifestantes chegassem perto do Palácio Piratini.
Enquanto isso, ao cair da noite, no Palácio Piratini, uma imagem e uma frase ilustraram também qual é solo no qual trafega a "informação". Soldados a cavalo da Brigada Militar vigiavam a entrada da sede do Executivo. Ao ver uma equipe de TV gravando um boletim ao vivo, um dos soldados aproximou-se e disse: "aproveitem, que a partir de amanhã não tem mais gravação ao vivo na frente do palácio".
Questão de ponto de vista - Manchetes da Folha de São Paulo e da Zero Hora (12/06) sobre o mesmo fato:
- Folha de São Paulo: Governo do RS reprime ato contra a corrupção
- Zero Hora:Confronto entre manifestantes e Brigada Militar leva 12 à prisão



O que me deu vontade de comentar, que gerou essa coceirinha nos dedos para escrever não foram os fatos relatados em si. Via Campesina, Brigada Militar, Governo Yeda, whatever. O que capturou minha atenção foi o autor do texto (???) e sua percepção. Será que ele realmente acredita em tudo que questiona?? Ele realmente acha que existe todo esse complô??

Eu não estou aqui para defender direita, esquerda, MST ou RBS, só fico impressionada que as pessoas realmente pensem que uma emissora de televisão vai perder seu tempo bloqueando linha de telefone de pesquisa de opinião. Se fosse pesquisa eleitoral ainda, vá lá, mas pesquisa sobre a percepção de um fato??? Será mesmo que é tudo uma diabólica maquinação para fazer as pessoas acreditarem que as outras pessoas são contra determinada coisa e assim induzir aquele que está vendo a ser contra também??? Ai, só de escrever isso já me confundi, imagina maquinar essa estratégia toda!

Veja bem, eu não estou dizendo que não acredito em manipulação de informações por parte da mídia. Acredito sim, e de forma convicta. Não existe isenção total, ninguém é completamente imparcial, todo mundo conta uma história sob sua própria perspectiva, por mais neutro que queira parecer. E digo isso me referindo à mídia, aos livros de história, à discussão com o namorado que uma amiga está lhe contando.

Agora, daí a acreditar que tudo é conspiração, que o tempo todo os "donos do poder" estão planejando formas de nos induzirem, de nos educarem, de nos enganarem??? Nada me irrita tanto como aqueles que acreditam que tudo é culpa do sistema! Pelo amor de Deus, quem é esse "sistema"? Onde mora?? Me apresentem!!!!!!

O maior defeito do ser humano, na minha opinião, é a teimosia. Porque não ler a Veja? Porque não ver a Globo? Leia a Veja, mas leia também a Piauí, a Carta Capital. Adquira perspectivas sobre os fatos para daí formar sua própria opinião. O contrário disso é puro pré-conceito.

E e relação ao Conversas Cruzadas...será tão difícil acreditar que o público da TV COM, que não é canal aberto e muito menos popular, não veja com bons olhos o MST? Porque me parece bem razoãvel. Esquisito e digno de investigação ia ser se esse público, o mesmo público que assiste ao Tatata Pimentel em eventos sociais e a Fernanda Zaffari comentando "estilo de vida", visse com bons olhos uma invasão de fazenda. Aí sim, eu diria que é tudo conspiração!!!!!!!!!!!!

Menos confabulações e mais ações, por favor. Só pra variar.

domingo, 15 de junho de 2008

Édipo



Fui finalmente assistir a peça do meu amigo-irmão-único-representante-masculino-desse-blog Pato, Édipo, no Teatro São Pedro e só quero comentar que adorei. Admito que as peças do Alabarse, terceira que o Pato participa, sempre me dão uma preguicinha prévia pela longa duração e os textos antigos, mas elas nunca me decepcionam. Sempre que vou ver adoro. Pena que fui assistir no último dia e portanto minha dica não vai valer muito pra quem ler aqui e quiser assistir, mas como provavelmente voltará a entrar em cartaz em breve, fica a sugestão.

Ah, e que orgulho de ver Mr.Zugno falando, falando, falando, lindo, indo, lindo!

sábado, 14 de junho de 2008

Nesta data, queri!

Lowes,

queria só fazer um comentário ao teu post, mas quando vi a coisa já tava se estendendo além da conta...
Ontem na festa de vocês conversava com um menino sobre pessoas com trajetórias de vida não-lineares, como é o teu caso. Concluímos que esse tipo de gente é infinitamente mais interessante do que aqueles que nascem e crescem com um itinerário traçado, convicções firmadas e pouca margem pra erro. Há exceções, claro, aqueles que ficam vagando errantes, sem nunca saber bem o porquê de estarem onde estão, mas quem te conhece sabe que esse não é o teu caso. De todas as Luízas que já passaram por aí, a essência sempre se manteve: uma guria - opa, mulher! - com uma capacidade absurda de interagir (e se divertir, e aprender) com as mais variadas situações e criaturas, uma amiga pau-pra-toda-obra, uma disposição permanente pra se questionar, a coragem de mudar de opinião, de direção, essa inteligência tão brilhante quanto despretensiosa, e todos os atributos que eu acredito que tu saiba que possui.
É estranho mesmo quando a gente se dá conta de que finalmente chegou aonde queria chegar (nesse momento, porque que o caminho pela frente ainda é muito longo). É bom, muito bom, ver que o esforço valeu e que a recompensa é mesmo gratificante como se esperava. Mas também dá uma agoniazinha perceber que agora não tem desculpa pra não levar o estilo de vida que parecia o ideal, afinal de contas, é assim mesmo que a vida vai ser por um tempo. Mesmos horários, mesmos ambientes, a tal rotina. Isso gera uma ilusão de permanência que é tão falsa quanto incômoda. Faz pés-na-jaca eventuais parecerem hábitos dos quais a gente pre-ci-sa se livrar. Semanas de calmaria ficam com cara de todo-dia-ela-faz-tudo-sempre-igual, rotina aprisionante. O fato é que custa mesmo encontrar o tal equilíbrio, que eu nem sei se existe na vida real...
Queri, não comecei isso aqui com a pretensão de te dar uma luz, pelo contrário: acho que me identifiquei com os teus anseios e por isso mesmo quis te dizer que não há de ser nada (é um mantra que eu preciso repetir de tempos em tempos). Relaxa, curte a paisagem, não exige tanto de ti mesma, que lá pelas tantas tu vai ter encontrado teu ritmo. E principalmente: não te lança a essas divagações em dias nublados de ressaca, na finaleira do tal inferno astral!
De minha parte, eu te digo que te amo e tenho muito orgulho de ser tua amiga! Feliz aniversário adiantado, e que venham as Luízas em versão 2008, 2009, 2010... eu faço questão de estar por perto pelo menos até lançarem o modelo sênior, quando a gente for de bengala tomar clericot e falar dos assuntos que só a equipe traz à baila, em alguma área de fumantes por esse mundo afora!

Presente

E está chegando mais um aniversário... é sempre nessa época que eu me dou conta de como o ano tá passando rápido, como parece que foi ontem o ano novo, natal, aniversário do ano anterior. Daí pra começar a ponderear sobre como a vida tá passando rápido, como parece que foi ontem que eu fiz dezoito, quinze, treze, enfim. Nostalgia?? Sei lá. Só sei que tá chegando o dia de completar mais uma primavera e a cabeça já começa a analisar, analisar, analisar.

Eu sei que esse ano tá engraçado. Não engraçado tipo dar risadas enlouquecidamente, mas engraçado tipo esquisitice total. Se eu começo a analisar meus anos anteriores, parece que foram várias vidas diferentes, em cada um uma Luiza...coisa de geminiana talvez. 2005 foi Austrália, nossa, parece anos luz atrás!!!!! Era a Luiza dúvida e agonia em relação ao futuro. Viagem com as amigas, trabalho, festas e muitos questionamentos: que faculdade eu ia fazer afinal? Aaai, precisava decidir!!!Será que meu namoro ia resistir à distância? Eu devia voltar pro Brasil ou devia ficar por lá mais um tempo? Um monte de incertezas para descobrir na volta. 2006 foi calmaria. Pé no chão e olhar pro futuro. Vida de casal total, muito estudo para passar na UFRGS, emagrecimento punk, nunca vi uma Luiza tão disciplinada como aquela de 2006! Aí veio 2007 e com ele parece que outra vida, quase que oposta àquela: de volta à solteirice e com tudo! Muita festa, viagens, novidades. Faculdade nova, trabalho, outras responsabilidades. Era a Luiza animadaça. E depois disso tudo chegou 2008 e nele eu tô me sentindo meio perdida. Tô na berlinda, meio sem saber se sou a certinha de 2006 ou a transloucada de 2007. Resolvo pirar, sair, dançar e me arrependo porque vejo que não era bem isso que tava afim. Aí me proponho a ficar mais em casa, estudar, acordar cedo para malhar e canso da rotina rapidinho. Tá difícil de achar o tom, definir meu ritmo, encontrar o caminho que me deixe tranquila. Acho que é isso que eu quero de presente de aniversário.

sexta-feira, 13 de junho de 2008

doutor, é normal...?

Como é engraçado - e às vezes sort of creepy - quando a poeira baixa depois de grandes catástrofes nas nossas pequenas vidas, e a gente, que há pouco tava no olho do furacão, passa a enxergar os últimos eventos com mais leveza. Me fascinam as constatações que brotam da mente nessa transição, e o créme de la créme de tudo isso, certamente, é o humor negro: será sadismo da minha parte deixar as pessoas desconcertadas ao verem a transformação dos meus dramas pessoais em tragicomédias? Tomara, humor negro E sadismo, a-do-ro!
Mas vamos primeiro ao divã: apesar de toda a lengalenga de dor e impotência, meu último acidente me trouxe dois insights referentes à questão da cicatriz que pode ficar. Primeiro: finalmente uma cicatriz! A vida inteira eu maldisse a sina dos primogênitos de serem obssessivamente cuidados por suas mães. Tá, e o que tem a ver uma coisa com a outra? Explico: como primeira filha, minha missão era estar sempre limpinha, arrumadinha e a salvo de qualquer perigo. Resultado: nenhum arranhão, nadica de histórias hilárias de grandes traquinagens, nem um único tombo, um membro engessado com assinaturas do colégio inteiro, nada! Isso me frustra até hoje... Então, se ficar uma cicatrizinhainhainha, não faz tanto mal assim, juro. Segundo, mas bem afim ao primeiro item: currículo. A cozinha não é só um ambiente de trabalho. A comida é minha vida, meu trabalho sempre será permeado pelas minhas impressões a respeito de tudo que me cerca, e o aprendizado decorre do empirismo, muito mais do que de leituras, certificados, etc. Dito isso, essa experiência, por mais traumática que tenha sido, me deixou com uma pontinha de orgulho. Desde a primeira vez que trabalhei em um evento de verdade, depois de incontáveis horas na cozinha, com o corpo todo dolorido, a cabeça girando, pequenos cortes e leves queimaduras nas mãos, experimentei uma sensação muito gratificante, além do prazer dos comensais. Uma sensação de dever cumprido, de fazer a diferença na hora que o bicho pega, de carregar comigo marcas do meu trabalho, que é também a minha paixão. Dessa vez a marca deixada foi um pouco mais dolorida, e mesmo que a pele volte a ser o que era antes, a lembrança vai ficar impressa. Se ficar cicatriz (inhainhainha), e alguém me perguntar, vou responder faceira: é um sinal do que eu faço, do que eu sou. Minha marca de batismo no mundo das panelas!
Não, não tô rezando pra ficar com a pele retorcida ou manchada. Mas acho que me identifico com aquelas mulheres da propaganda da Natura (ou Avon, ou Dove, sei lá), que dizem a idade, exibem as rugas e as cicatrizes sem o menor constrangimento, por uma razão muito simples: são essas coisas que nos tornam o que nós somos. E que coisa boa constatar que o pacote completo nos agrada, com defeitos, qualidades, cheiros, cicatrizes, dias bons e dias ruins.
Olha, acabou ficando tão ternurinha esse último parágrafo, que eu até desisti de falar do meu leve sadismo e do humor negro. Essas características são das minhas favoritas no tal "pacote completo", mas não combinam com a leveza desse post. Paro por aqui.

terça-feira, 10 de junho de 2008

mudança de perspectiva

Exercício: despir-se do dinamismo de dias cheios e noites pouco dormidas, abrir mão de passar por inúmeros lugares diferentes entre o amanhecer e a hora de deitar, e mesmo estando em casa, considerar longamente os prós e contras de levantar do sofá e ir até o banheiro, a cozinha, a sala... Se alguém me fizesse essa proposta uma semana atrás, é provável que eu não me desse nem ao trabalho de responder a tamanha insanidade. A única hipótese de eu me submeter a essa experiência seria no caso de imobilidade forçada. Pois bem, eis a grande oportunidade. E seguem as minhas impressões:
O dia fatídico começou como uma quinta-feira normal: fui pra cozinha da Ju (chef e amiga com quem eu trabalho) logo cedo, fiz uma torta polonesa que eu fiquei louca pra comer, e no final da manhã segui para o StudioClio pra mais um almoço cultural. Correria habitual, vão as entradas, bota a água pra ferver no fogareiro, arrasta o fogareiro pra lá... E aí tudo mudou. O som da panela caindo, a dor, gritaria, o desespero generalizado, o HPS, dor, morfina, dor, curativo, dor... Primeira constatação da mudança de perspectiva: ser o alvo dos olhares de comiseração de uns, de aflição de outros e de indiferença de poucos. Quantas vezes eu teria lançado olhares como aqueles sem ter feito nada além de olhar? Pessoas com frio e fome na sarjeta, crianças nas sinaleiras, velhinhos caminhando com dificuldade... O que se pode fazer? Na maior parte dos casos, nada, ou muito pouco, mas sendo aquela que recebe esses olhares a vontade que dá é de dizer "pára de me olhar com essa cara e me ajuda, chama um médico, me dá um remédio que me faça apagar!" ou então "vocês trabalham no HPS, deve ter gente muito pior entrando aqui a toda hora, então não me olhem com pena, como se eu fosse ficar com uma cicatriz horrenda, me convençam de que vai ficar tudo bem e que eu só tô chorando desse jeito porque eu sou uma fiasquenta sem noção do que é dor de verdade!". Mas os olhares só me diziam que a coisa tava preta mesmo... O atendimento nem demorou muito, mas antes eu tive que preencher uma ficha, e essa burocracia insensível me fez gritar a altos brados meu endereço, telefone e ocupação, pra depois um enfermeiro me largar, na cadeira de rodas, na frente do ambulatório de queimados. Poucos minutos de espera, mas a dor fez parecerem horas, e me fez pensar, depois, em quem realmente passa horas, até mesmo dias, nas filas de hospitais, com dor, sem ninguém do lado pra segurar na mão, e às vezes tem que desistir e ir pra casa, sem solução. É impossível que um ser humano passe por isso incólume, sem se revoltar, ou sem que passe a acreditar que é mesmo uma criatura designada pra esse tipo de vida, e que o negócio é se acostumar ao sofrimento, à solidão, à indiferença. E alguém se acostuma com isso? Eu sabia que em comparação à degradação que um ser humano pode sofrer quando depende da saúde pública no Brasil, eu mal tinha um problema, mas tava doendo pra caralho, então eu continuava chorando.
Morfina via oral. Como ex-hipocondríaca e espectadora atenta de seriados sobre rotinas hospitalares, só de ouvir aquelas palavras acreditei que meus problemas acabariam. Doce ilusão... O efeito é o seguinte: a morfina deixa a pessoa grogue, mole feito uma gelatina, incapaz de gritar, chorar e se contorcer, mas faz - ou pelo menos fez - muito pouco pela dor. Ou seja, o povo em volta começou a comentar que finalmente eu iria melhorar, já tava "mais calminha"... não mandei tomar no c... por total falta de articulação. Pensei agora nos loucos que são mantidos constantemente dopados pra causarem menos transtorno. Pensei também nas pessoas que, aos olhos de médicos e enfermeiras, "não estão sentindo nada", totlmente incapazes de se comunicar... E se estiverem sentindo?
Nesse dia, vim pra casa, e aqui minha família passou a tarde me paparicando. Depois de 2 Tylex, a dor se tornou suportável, e foi bom ficar quietinha, sendo cuidada, pelo resto da tarde. Fui ainda no médico. Ele abriu os curativos e minha mãe ficou branca, pediu pra se retirar da sala por alguns instantes. Como ela é médica, eu preferi nem olhar.
Dia 2
Acordei bem. Tarde. Almoço em família. Primeiro banho e primeira troca de curativo em casa. Banho sozinha, dolorido e complicado, mas possível. Curativo a cargo da minha mãe, já vacinada contra o susto, e ciente de que esse papel só caberia a ela mesmo. Acontece que ela é mãe, muito antes de ser médica, e eu sei que não é nada fácil desgrudar as gazes dos meus ferimentos enquanto eu choro de dor.
Torta de sorvete, passada na faculdade, dei um pulo (!) no StudioClio, aniversário da Ju (minha chef).
Visitas à noite, amigas queridas que eu tava há tanto tempo sem ver. Percebi minha total incapacidade de aconselhar pessoas com problemas que a minha ótica considera fúteis demais. Preferi fazer um chá pra minha amiga que só chorava depois de uma briga com o namorado. Ficar de pé na cozinha me fez lembrar da Pequena Sereia, quando o Hans Christian Andersen fala da sensação dela ao caminhar com pernas humanas: "era como se centenas de lâminas atravessassem minhas pernas a cada passo que eu dava". Parecido com isso, mas ainda assim melhor do que ficar na sala, sem saber o que dizer a respeito de uma situação insólita, tristemente comum, que seria normal caso o casal em questão tivesse uns 10 anos a menos.
Dia 3
Paciente impaciente, repouso absoluto nem pensar! Sábado de sol, baita dia, não pensei duas vezes e fui pro Parcão com a família. De carro, bien sûr. Almoço na vó, coisa boa... na volta pra casa, visitas, muitas visitas, adoro! Ritual doloroso com amigas do lado pra distrair, alivia bastante. Filme, comida indiana, risadas...
Dia 4
Acordei pensando "nossa, como eu tô bem!"... segui com essa idéia ao longo do dia, um domingo chuvoso, com almoço em família e filme no sofá, e uma visita muito querida. Pernas 100% não fariam muita diferença nesse dia... Mas a dor piorou. Acho que nessa fase os curativos grudam mais...
Dias 5 e 6
Não tem porque separar esses dois dias porque não aconteceu muita coisa, e meu estado de espírito foi mais ou menos o mesmo. Tô de saco cheio. Saco cheio de sentir dor, de não sair de casa, de precisar dos outros pra tudo. Fico triste por não poder correr, nem sair pra andar pela rua... tô me sentindo um fardo aqui em casa, especialmente pra minha mãe, que tem que fazer meu curativo todos os dias... uma merda isso. Agora são 4 e meia da tarde e eu tô aqui. De pijama. Já escrevi um tratado, praticamente, por total falta do que fazer com o meu tempo. Não quero mais brincar! E essa dor desgraçada pra tudo, essa fragilidade irritante! De manhã, quando fui fazer xixi, vi que o papel tinha acabado e minha irmã não tinha pegado um rolo novo. Comecei a chorar! Patético, Mariana, patético...
No final do dia, minha vó veio aqui me ver. Fiquei com raiva de mim mesma, porque em vez de me animar com a visita, exacerbei a pena de mim mesma e só chorei, reclamei, praguejei... mas vai ver que eu precisava mesmo desabafar, não gosto de fazer isso com a minha mãe, acho que a barra pra ela já tá bem pesada.
Na hora de deitar, depois de ver um filme, fui subir as escadas pra deitar. A família toda já dormia. E ao notar que eu não sentia mais aquela dor bandida pra caminhar, eu comecei a sorrir. Cena bizarra: guria mancando escada acima, rindo pro nada! E daí?, eu tava em estado de graça...
Dia 7
Dia lindo, ensolarado. Bem mais otimista, sem a dor paralisante, hoje vou sair de casa... as coisas começam a melhorar.
Não acho legal a idéia de ficar falando muito de eventos pessoais aqui no blog, mas senti necessidade de registrar isso que aconteceu e alguns sentimentos que isso me provocou. Acho que pra quem lê é monótono, mas escrevi mesmo pra mim, pra elaborar melhor as idéias. Tem coisas que eu ainda não digeri muito bem, como a atitude de algumas amigas e a visão do ferimento em toda a sua extensão. Ainda preciso pensar a respeito. Mas até aqui foi bom escrever, botar pra fora essas coisas, que se ficam muito tempo guardadas, no meu corpo se transformam em dores, alergias e afins...


domingo, 1 de junho de 2008

once

Nunca fui muito fã de musicais... Superproduções, gestos escancarados, gritaria, brilho, maquiagem, ui! Não vejo sentido em tanto investimento a fim de descrever situações e sentimentos que seriam muito melhor apreendidos pelo público se a câmera pudesse focar uma lágrima, ou qualquer expressão mais sutil.
Nesse caso, acho que a exceção se deve ao fato de não se tratar exatamente de um musical... Mas quem se importa, no meu mundo os musicais seriam assim!
O filme conta a história de um músico de rua/reparador de aspiradores que conhece uma vendedora de flores/pianista nas ruas de Dublin. Desde o primeiro contato entre os personagens eu fiquei na dúvida se se tratava mesmo de personagens ou se o diretor tinha resolvido filmar uma aproximação espontânea entre duas pessoas do mundo real.
A guria e o cara (eles não têm nome mesmo, reparem nos créditos) estabelecem uma química tão delicada, que eu passei os 85 minutos entre ansiosa e enternecida, me perguntando se era mesmo necessário que as coisas entre eles evoluíssem ou se aquela parceria já era o suficiente, tão bonita e verdadeira que nem teria como evoluir.
O tempo todo eu ficava com a sensação de que alguma coisa tinha ficado por ser dita, ainda que a guria tenha se feito notar, no início, justamente pela cara-de-pau. Na medida em que a estória anda, no entanto, fica combinado que aquilo que realmente importa será dito em silêncio, ou em celta (língua que ela fala em casa - e que ele obviamente não entende), ou por meio da música. E é nesses momentos que a dupla se mostra tão afinada que é difícil não ficar pensando "e se..."...
Saí do cinema pensando que a gente sempre vai ter uma vozinha na cabeça nos perguntando "e se...?" (a não ser nos musicais da Broadway e nos blockbusters de Hollywood, onde a escolha certa é uma só, óbvia. Chato...). Can´t help it, sempre vou me perguntar como teria sido... mas sempre vou saber que o que foi, por si só, já valeu, e o que será também vai ser bom, sem dúvida. Ou com dúvida, que é muito mais interessante.
Enfim, quis falar do filme através da minha ótica, já que a história é tão intimista, mas já comecei a divagar, então vou parar por aqui. O título em português é "Apenas Uma Vez", vai lá.
P.S.: At last, but not at least: já que vai no cinema, aproveita pra ir também ao teatro ver Édipo, no São Pedro! Vou hoje, mas antes de assistir já recomendo, não tem como não ser ótimo, com o Pato no elenco e trilha sonora dos Stones!

...pensamentos, teorias e devaneios...