quinta-feira, 11 de junho de 2009

sala de espelhos

Escutou o despertador, mas já estava semi-acordada. Em noites mal-dormidas nuca sabe direito se chegou a adormecer de fato. Incomodou-se com o fato de nem querer acionar o "soneca", desprezando uns minutinhos a mais na cama quentinha. Ora, é outono em Porto Alegre, daqueles típicos, ou seja: um mero eufemismo para "inverno glacial".

Os movimentos automáticos na cozinha, preparando o café-da-manhã, a necessidade de manter mãos e mente ocupadas 100% do tempo, o "bom dia" grunhido. Queria acordar com preguiça e ir despertando aos poucos, abraçar e beijar as crianças, sentar e ler o jornal com calma, só com uma xícara de café, ouvindo o Bom Dia Brasil ao fundo. Mas via que já incorporava uma formiga operária há dias, com humor de jararaca, e a constatação só servia pra irritá-la mais e mais.

Naquela quinta-feira, o céu azul e a perspectiva de um certo encontro casual a animaram a se arrumar e sair de casa relativamente satisfeita, apesar do mau começo. Sentia-se bem, mas já deixara de creditar isso a uma conquista, sabia ser apenas um momento. A dor de cotovelo, a saudade de uma rotina bem diferente, a demorada - mas enfim chegada - constatação das consequências de alguns atos pregressos... tudo isso andava ali ainda, e jamais era completamente ignorado.

Todavia, andou pela Rua da Praia ensolarada, entrou em um sebo, chegou pontualmente ao tribunal... finda a sessão, sentia-se de fato feliz com essas frugalidades. Quando fatos prosaicos da vida a alegravam, sabia ser sinal de que a nuvem negra começava a se dissipar. Não havia conseguido falar com a amiga para almoçarem juntas, mas paciência, desencontros acontecem...

Eis que na saída do plenário, a amiga aparece, atrasada, atrapalhada, e em um diálogo que durou menos de um minuto, as duas conseguem se estranhar! Poucas palavras, mas fisionomias suficientemente expressivas para instalar-se a hostilidade.

Sem compreender, ela quis tirar a história a limpo. "Como assim? Por que a cara feia? O que que eu te fiz? E a propósito, por que tu não me escutas mais? Não quiseste saber daquela carta que eu mandei pra ele? Tampouco me contas das coisas que realmente passam pela tua cabeça? Só essas chatices que eu não aguento mais ouvir... Cadê aquelas duas gurias que viviam grudadas no início da faculdade? Às vésperas da formatura, parecemos duas estranhas!"

E na resposta, caiu na real: "somos muito parecidas. Nossa carcaça dura, a eventual cara de poucos amigos, o pavio curto... quando nos vimos mais cedo, uma viu na outra um espelho - e nenhuma gostou do que viu." Silêncio. Reflexão. Ops. Foi assim que as duas conseguiram se enxergar finalmente: carrancudas, mas se foi o jeito, que bom que ainda tinha jeito! Seguirem-se pitadas de DR que não convém transcrever...

Depois dessa conversa, decidiram abrir os olhos uma pra outra. Não são mais as gurias de 18 anos recém passadas no vestibular, que todos os dias comiam alguma coisa muito boa antes de ir pra faculdade. Também deixaram de ser as estagiárias subversivas, que entre outras coisas ficavam bêbadas no happy hour dia sim, dia não, e depois iam pra aula trocando as pernas. Ainda porra-loucas? Por vezes, não há dúvida. Talvez exatamente as mesmas na essência, mas inevitavelmente mudadas depois de tudo o que os últimos 5 anos lhes apresentaram. Amigas, sim, e não só de faculdade, ora essa!

Parece que agora andam as duas empenhadas em controlar melhor o humor e a linguagem corporal pra deixar de gelar os ossos de quem quer que as encare em dias não tão ensolarados... exceto quando recebem olhares desaprovadores durante conversas em sala de aula. Nesses casos, a uma delas só falta rosnar!

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