terça-feira, 11 de agosto de 2009

de método, cinema e anseios

Nesses tempos de férias estendidas por conta da gripe suína, tenho dedicado meu (abundante) tempo livre a tarefas produtivas. Aos trancos e barrancos consegui estabelecer uma disciplina tccística, e atualmente as primeiras horas da manhã - e as últimas da madrugada, que é como eu considero o período entre 0h e 9h - giram em torno de denominações de origem, indicações geográficas, vinhos e a OMC. Dependendo do capítulo, vai-se a tarde também nessa brincadeira. Quando meu cérebro se cansa de formular frases acadêmicas, passeio pelo twitter, pelos e-mails e até aqui pelo blog. Sim, porque a meu ver estas são atividades produtivas. Resolver pendências e me comunicar com as pessoas ao toque do teclado é uma mão na roda. Saber das notícias da Folha, do NYT e da CNN em tempo (quase) real é um luxo, impensável até bem pouco tempo atrás. E ler e escrever besteira produz um efeito altamente desopilante na mente, estudos comprovam! Claro que quando eu abro o link que o Rafinha do CQC tuitou, em que um trio de japoneses canta bizarramente durante 13 minutos, sinto que estou desvirtuando o papel da internet na minha vida, mas fora um que outro excesso eventual, a web é uma aliada e tanto.

No mundo real, me empenho diariamente em educar um vira-lata excessivamente sociável que tem fobia de atravessar a rua. Já ensinei o Alemão a sentar, e salvo alguns quase-atropelamentos, a missão tem sido um sucesso, pura adrenalina. Se você vir uma mulher sendo arrastada por um guaipeca pelas redondezas da encol, sou eu.

Além disso, o convívio familiar intenso tem contribuído para que eu possa me tornar monja no Tibet dentro de alguns anos. Ou interna no São Pedro, tudo pode acontecer. No mais, a corrida nossa de cada dia sim, dia não e a terapia, que aos poucos me convence de que entre o Tibet e o São Pedro pode haver uma opção mais aprazível.

Dito isso, posso começar a divagar sobre o tempo. Não é paradoxal que as pessoas que trabalham o dia inteiro anseiem por mais tempo livre; enquanto que aquelas que, como eu, têm uma agenda mais folgada costumam dizer que o excesso de tempo disponível mais atrapalha do que ajuda? Me acostumei a repetir quase que no automático: "quanto mais tempo se tem, menos se faz..." De fato, assim me pareceu a vida até aqui. Chefes, professores, prazos, provas... me habituei a administrar meu tempo condicionada a prazos estabelecidos desde o exterior. E agora me percebo às portas de me tornar senhora do meu tempo: não pretendo ser empregada de ninguém tão cedo - sou uma profissional liberal em início de carreira; a faculdade aparentemente vai acabar mesmo dentro de alguns - poucos - meses, ou seja, doravante, it´s up to me...!

Dá um certo frio na barriga, sim, mas não é desse turning point que eu quero falar. Tenho em mente o tempo livre em geral, ao longo da vida. Por muito tempo me angustiou minha falta de método nas minhas buscas por conhecimento fora do território escolar/acadêmico/profissional. Invejava aquelas pessoas capazes de discorrer longamente sobre todo um período da história da arte, ou que conhecessem de cabo a rabo a obra de um autor. Mas simplesmente não conseguia eleger uma área à qual me dedicar tão avidamente. Sigo admirando aqueles poços de cultura que derramam conhecimento pelos poros, mas hoje aceito esse meu jeito nômade e confesso que me agrada pensar que minha eterna ignorância deve seguir me levando a lugares impensados.

A associação entre tempo livre e enriquecimento cultural não é fortuita. Comecei esse post pensando no pai aquele que encampou a idéia do filho adolescente de largar o colégio sob a condição de que o guri assistisse a uma lista de filmes selecionados por ele, pai. A lista incluía títulos tão diversos quanto A Doce Vida, de Fellini, e Os Reis do Iê-iê-iê. Nenhum método, apenas o objetivo de desenvolver o espírito crítico do guri e incutir um pouco de cultura naquela cabeça tão refratária à educação tradicional. O pai em questão é o escritor David Gilmour, e a experiência deu origem ao livro "Clube do Filme", que deve ser interessantíssimo, mas eu não li e dificilmente lerei, por falta de... tempo. Bastou ler a crítica no jornal pra eu me reconhecer como uma entusiasta do experimento dos Gilmour, antes mesmo de ouvir falar neles.

Sempre acreditei na educação por meio do cinema, apenas não consegui convencer minha mãe de que isso bastava. De modo que estou terminando a faculdade, mas sigo buscando absorver conhecimentos de maneira absolutamente incoerente, sem preconceitos. E isso em todas as áreas, não apenas no que diz respeito à cultura cinematográfica.

Por isso me enerva escutar de alguém frases do tipo: "não vejo filme brasileiro"; "não escuto música popular"; "não falo com estranhos"; "não como nada com pimenta"... Como se todos os filmes produzidos no Brasil fossem pornochanchadas, toda música popular fosse Calypso, todo estranho fosse bandido e todo prato apimentado fosse ardido.

Falando especificamente em cinema, assistir a produções de todas as épocas, gêneros e procedências significa manter aberto o canal da linguagem, apurar minha capacidade interpretativa e enxergar o mundo de uma maneira bem menos maniqueísta do que certamente seria no caso de eu encarar somente blockbusters americanos (ou qualquer outro gênero que fosse entendido com o único válido).

Encerrando com a união entre (falta de) método, cinema e anseios, segue o roteiro da semana que passou diante dos meus olhos:
Caramelo, filme libanês sobre um grupo de mulheres e suas feminices (de PoA a Beirut, não muda muita coisa, e a beleza da história tá aí); Love Story (love story, bem isso aí, vi mais por curiosidade depois da morte da Farrah Fawcett); Breakfast at Tiffany´s (além de mostrar a graça da Audrey, me impressionou pelo espírito bastante libertino pros padrões da época, com festinhas mucho locas no cafofo da Ms. Golightly); Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos (esse merece um post especial, que provavelmente eu não escreverei, por não acreditar que eu possa dizer qualquer coisa à altura. É italiano. É uma obra-prima. Vai lá.); Tartufo (baseado na comédia de Moliére, a produção é da década de 20, cheia de graça e beleza. E eu pensando que não fosse rir, sequer sorrir, diante de um filme mudo...); Podecrer (mostra uma gurizadinha terminando o colégio no Rio do início da década de 80. Se imagens cariocas sempre me trazem uma certa nostalgia, imagens nostálgicas do Rio quase me levam às lágrimas); Cidade Baixa (um triângulo amoroso numa Salvador feia, suja e malvada. E ainda ssim tocante!) e por fim, Apocalypse Now. Este eu também não me sinto digna de escrever a respeito. Vi ontem à noite e sigo assombrada pelo Vietnã, por aquela guerra estúpida, pelo Marlon Brando, pelo horror, o horror, o horror...
Foi uma semana interessante, pra dizer o mínimo. Depois do apocalypse, ainda terminei de ler a Saga Lusa da Adriana Calcanhotto, que ainda não decidi se é muito bom ou se eu devorei por conta da identificação com o surto psicótico que ela narra. De qualquer forma, catei o Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, que andava por ali, antes de pegar no sono, e abri no capítulo sobre temperança. Acordei serena e descansada hoje de manhã, louca pra ir ver a exposição de arte francesa no MARGS e o acervo do Iberê, com direito a pôr-do-sol na sequência. Depois dos compromissos diários, bien sûr.

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