terça-feira, 4 de agosto de 2009

RAÇA

Questão difícil essa das cotas raciais. Aliás, todo problema que tem como cerne a questão “racial” é bem complicada. Isso porque mexe com preconceito (tanto dos ofensores, como dos próprios ofendidos), com descriminação, com todo um histórico de desavenças. A escravidão marca tanto que dizem que demora mais do que o triplo do tempo que ela durou para apagar os seus vestígios. Eu ainda duvido que haja tempo passível de apagar os seus vestígios...

Acredito que no Brasil há sim uma imensa descriminação, mas não somente contra negros: há descriminação contra o pobre em geral, seja ele negro, branco, pardo. É claro que existe preconceito contra negros, conversa com um alemão da colônia para ver... mas aí também existe preconceito contra gays, contra alemães, contra deficientes, contra mães solteiras. Vamos criar cotas para todos esses segmentos então?

É fato que o Brasil é um país altamente miscigenado, o mais miscigenado do mundo. Dos senhores que tinham filhos com escravas, da mistura do europeu com o índio, da colonização italiana, alemã, japonesa. Difícil olhar alguém no exterior e já saber que é brasileiro, como acontece com os ruivinhos ingleses ou os loiros nórdicos. A não ser que a pessoa esteja sambando ou jogando lixo no chão... Da mesma forma, com exceção daqueles pretíssimos (e não leia isso com preconceito), não é fácil olhar alguém e constatar: é negro. E os mulatos? A Camila Pitanga é branca ou negra afinal? Aqueles irmãos gêmeos da UNB que tiveram pareceres diferentes da Universidade (um foi considerado negro e o outro não) são prova dessa dificuldade.

Essa miscigenação brasileira, na minha singela opinião, contribuiu e muito para diminuir o preconceito. Muita gente afirma que o que existe é um preconceito velado. Pode até ser, mas o simples fato dele ser velado já demonstra que não é visto pela sociedade em geral como uma boa coisa.

O que eu sei dessa questão toda é que eu sou sim a favor das cotas, mas das sociais. Acho que realmente há um déficit e que, se as coisas continuassem como estão, as classes C e D dificilmente entrariam na Universidade. Esperar que o governo melhore o ensino de base? É o correto, mas se esperaria até quando? Que se implante as cotas para dar a chance dessas pessoas competirem de igual para igual com aqueles mais afortunados.

Eu estudo em Universidade Federal e notei com clareza a diferença dos estudantes ali presentes antes e depois das cotas. Que eu lembrasse, havia uma só negra em toda a minha faculdade, hoje são vários. Pessoas de características mais simples, negras ou brancas, transitam por aqueles corredores onde antes, infelizmente, praticamente só os egressos de escolas particulares e de bons cursinhos tinham acesso. Poucas medidas seriam mais eficazes para combater a desigualdade.

Tentar fazer isso utilizando o conceito de RAÇA, entretanto, não me parece o correto e mais, me dá a impressão de ser algo ainda mais discriminatório, quando não inconstitucional. Compartilhando de opinião parecida vou colocar aqui dois textos completamente diferentes, mas igualmente brilhantes: um é uma parte do voto do Ministro do Supremo Gilmar Mendes acerca de um pedido de liminar que envolvia a questão das cotas raciais e o outro é do humorista Danilo Gentili, do CQC, sobre a questão racial em geral. Dois estilos completamente opostos, do “juridiquês” à piada pura e simples, mas ambos convergindo para um mesmo ponto: a fragilidade do conceito de raça e a impossibilidade de adoção de medidas com base neles. Se tiver paciência, tá aí:

1) A decisão de Gilmar Mendes (íntegra http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStfArquivo/anexo/ADPF186.pdf) :

Nunca é demais esclarecer que a ciência contemporânea, por meio de pesquisas genéticas, comprovou a inexistência de “raças” humanas. Os estudos do genoma humano comprovam a existência de uma única espécie dividida em bilhões de indivíduos únicos.
A noção de “raça”, que insiste em dividir e classificar os seres humanos em “categorias”, resulta de um processo político-social que, ao longo da história, originou o racismo, a discriminação e o preconceito segregacionista.
(…) é preciso enfatizar que, enquanto em muitos países o preconceito sempre foi uma questão étnica, no Brasil o problema vem associado a outros vários fatores, dentre os quais sobressai a posição ou o status cultural, social e econômico do indivíduo. Como já escrevia nos idos da década de 40 do século passado Caio Prado Júnior, célebre historiador brasileiro, “a classificação étnica do indivíduo se faz no Brasil muito mais pela sua posição social; e a raça, pelo menos nas classes superiores, é mais função daquela posição que dos caracteres somáticos.
Por mais que se questione a existência de uma “Democracia Racial” no Brasil, é fato que a sociedade brasileira vivenciou um processo de miscigenação singular. Nesse sentido, elucida Carlos Lessa que “O Brasil não tem cor. Tem todo um mosaico de combinações possíveis” (LESSA, Carlos. “O Brasil não é bicolor”, In: FRY, Peter e outros (org.) Divisões Perigosas: Políticas raciais no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 123).
(...)
Assim, somos levados a acreditar que a exclusão no acesso às universidades públicas é determinada pela condição financeira. Nesse ponto, parece não haver distinção entre “brancos” e “negros”, mas entre ricos e pobres. Como apontam alguns estudos, os pobres no Brasil têm todas as “cores” de pele. Dessa forma, não podemos deixar de nos perguntar quais serão as conseqüências das políticas de cotas raciais para a diminuição do preconceito. Será justo, aqui, tratar de forma desigual pessoas que se encontram em situações iguais, apenas em razão de suas características fenotípicas? E que medidas ajudarão na inclusão daqueles que não se autoclassificam como “negros”?
Com a ampla adoção de programas de cotas raciais, como ficará, do ponto de vista do direito à igualdade, a situação do “branco” pobre? A adoção do critério da renda não seria mais adequada para a democratização do acesso ao ensino superior no Brasil? Por outro lado, até que ponto podemos realmente afirmar que a discriminação pode ser reduzida a um fenômeno meramente econômico? Podemos questionar, ainda, até que ponto a existência de uma dívida histórica em relação a determinado segmento social justificaria o tratamento desigual.


2) Texto do Danilo Gentili (BLOG: http://danilogentili.zip.net/):

As pessoas que separam cachorros por raças fazem isso porque acreditam que uma raça vale mais que a outra. Eles acreditam mesmo nisso. Ganham dinheiro com isso. Movimentam um mercado. Dividir uma espécie por raças nada mais é do que racismo.

Sinceramente acredito que todo cachorro é cachorro e que toda pessoa é pessoa. E dentro disso não entendo como alguém que morde seu sapato, encoxa sua perna e caga no seu tapete pode ser considerado o melhor amigo do homem.

Se você me disser que é da raça negra preciso dizer que você também é racista, pois, assim como os criadores de cachorros, acredita que somos separados por raças. E se acredita nisso vai ter que confessar que uma raça é melhor ou pior que a outra. Pois se todas raças são iguais então a divisão por raça é estúpida e desnecessária. Pra que perder tempo separando algo se no fundo dá tudo no mesmo?

Quem propagou a idéia que "negro" é uma raça foram os escravistas. Eles usaram isso como desculpa para vender os pretos como escravos: "Podemos tratá-los como animais, afinal eles são de uma outra raça que não é a nossa. Eles são da raça negra". Então quando vejo um cara dizendo que tem orgulho em ser da raça negra eu juro que nem me passa pela cabeça chamá-lo de macaco. E sim de burro.

Falando em burro, cresci ouvindo que eu sou uma girafa. E também cresci chamando um dos meus melhores amigos de elefante. Já ouvi muita gente chamar loira caucasiana de burra, gay de viado e ruivo de salsicha, que nada mais é do que ser chamado de restos de porco e boi misturados.

Mas se alguém chama um preto de macaco é crucificado. E isso pra mim não faz sentido. Qual o preconceito com o macaco? Imagina no zoológico como o macaco não deve se sentir triste quando ouve os outros animais comentando:
- O macaco é o pior de todos. Quando um humano se xinga de burro ou elefante dão risada. Mas quando xingam de macaco vão presos. Ser macaco é uma coisa terrível. Graças a Deus não somos macacos.

Prefiro ser chamado de macaco do que de girafa. Peça para um cientista fazer um teste de Q.I. com uma girafa e com um macaco. Veja quem tira a maior nota.

Quando queremos muito ofender e atacar alguém, por motivos desconhecidos, não xingamos diretamente a pessoa e sim a mãe dela. Posso afirmar aqui então que Darwin foi o maior racista da história por dizer que eu vim do macaco?

Se o assunto é cor eu defendo a idéia que o mundo é uma caixa de lápis coloridos. Somos os lápis dessa caixa. Um lápis é menos lápis que o outro só porque a cor é diferente? Eu desenho desde criança, então acredite em mim: Não mesmo. Todas essas cores são de igual importância. Ok. Ok. Foi uma comparação idiota. Confesso. Os lápis são todos do mesmo tamanho na caixa. E no mundo real o lápis preto é bem maior que o amarelo.

Mas o que quero dizer é que na verdade não sei qual o problema em chamar um preto de preto. Esse é o nome da cor não é? Eu sou um ser humano da cor branca. O japonês da cor amarela. O índio da cor vermelha. O africano da cor preta. Se querem igualdade deveriam assumir o termo "preto" pois esse é o nome da cor. Não fica destoante isso: "Branco, Amarelo, Vermelho, Negro"?. O Darth Vader pra mim é negro. Mas o Bill Cosby, Richard Pryor e Eddie Murphy que inspiram meu trabalho não. Mas se gostam tanto assim do termo negro, ok, eu uso, não vejo problemas. No fim das contas é só uma palavra. E embora o dicionário seja um dos livros mais vendidos do mundo, penso que palavras não definem muitas coisas e sim atitudes.

Digo isso porque a patrulha do politicamente correto é tão imbecil e superficial que tenho absoluta certeza que serei censurado se um dia escutarem eu dizer: "E aí seu PRETO, senta aqui e toma uma comigo!". Porém, se eu usar o tom correto e a postura certa ao dizer "Desculpe meu querido, mas já que é um afro-descendente é melhor evitar sentar aqui. Mas eu arrumo uma outra mesa muito mais bonita pra você!" sei que receberei elogios dessas mesmas pessoas, afinal eu usei os termos politicamentes corretos e não a palavra "preto" ou "macaco", que são palavras tão horríveis.

Os politicamentes corretos acham que são como o Superman, o cara dotado de dons superiores, que vai defender os fracos, oprimidos e impotentes. E acredite. Isso é racismo, pois transmite a idéia de superioridade que essas pessoas sentem de si em relação aos seus "defendidos".

Agora peço que não sejam racistas comigo por favor. Nao é só porque eu sou branco que eu escravizei um preto. Eu juro que nunca fiz nada parecido com isso nem mesmo em pensamento. Não tenham esse preconceito comigo. Na verdade sou ítalo-descente. Italianos não escravizaram africanos no Brasil. Vieram pra cá e assim como os pretos trabalharam na lavoura. A diferença é que Escrava Isaura fez mais sucesso que Terra Nostra.

Ok. O que acabei de dizer foi uma piada de mal gosto porque eu não disse nela como os pretos sofreram mais que os italianos. Ok. Eu sei que os negros sofreram mais que qualquer raça no Brasil. Foram chicoteados. Torturados. Foi algo tão desumano que só um ser humano seria capaz de fazer igual. Brancos caçaram negros como animais. Mas também os compraram de outros negros. Sim. Ser dono de escravo nunca foi privilégio caucasiano e sim da sociedade dominante. Na África, uma tribo vencedora escravizava a outra e as vendia para os brancos sujos.

Lembra que eu disse que era ítalo-descendente? Então. Os italianos podem nunca terem escravizados os pretos, mas os romanos escravizaram os judeus. E eles já se vingaram de mim com juros e correção monetária, pois já fui escravo durante anos de um carnê das Casas Bahia.

Se é engraçado piada de gay e gordo, porque não é a de preto? Porque foram escravos no passado hoje são café-com-leite no mundo do humor? É isso? Eu posso fazer a piada com gay só porque seus ancestrais nunca foram escravos? Pense bem, talvez o gay na infância também tenha sofrido abusos de alguém mais velho com o chicote.

Se você acha que vai impor respeito me obrigando a usar o termo "negro" ou "afro-descendente", tudo bem, eu posso fazer isso só pra agradar. Na minha cabeça você será apenas preto e eu branco, da mesma raça, a raça humana. E você nunca me verá por aí com uma camiseta escrita "100% humano", pois não tenho orgulho nenhum de ser dessa raça que discute coisas idiotas de uma forma superficial e discrimina o próprio irmão.

OBS: Antes que diga "Não devemos fazer piadas com negros, nem com gordos, nem com gays, nem com ninguém" Te digo: "Pode colocar meu nome aí nas páginas brancas da sua lista negra, mas te acho chato pra caralho".

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