sábado, 29 de agosto de 2009

“Tudo me move.”

Patrice Chéreau, um dos maiores diretores contemporâneos de teatro, ópera e cinema fala sobre sua vida, criações, inquietudes e o Brasil.


De Nova York por telefone, nossa conversa começou com Chéreau ligando para a sede do Porto Alegre em Cena por causa de uma chamada não atendida no seu aparelho celular. “Estou com esse número no meu celular. Estou dando o retorno”, ele justifica. Falamos um pouco quando me pediu para ligar em meia-hora. Após 30 minutos exatos, retornei. Chamou e ninguém atendeu. Segundos depois o telefone do Em Cena toca. É ele se desculpando. Desligamos e em seguida liguei para ele. No que finalmente conseguimos tabular uma conversação, Chéreau riu dos textos que montou quando era jovem e da visão de grande diretor que só ele desconhece.
Ao longo da conversa, que durou mais de uma hora, passamos do tema profissional da sua carreira artística e espetáculos para falar de inquietudes, política e humanidade. Terminamos com autores, projetos, textos e o futuro. Antes de desligar eu o disse que em breve nos encontraremos em Porto Alegre quando ele estiver na cidade para as apresentações de O Grande Inquisidor nos dias 12 e 13 de setembro de 2009 às 21 horas no Theatro São Pedro. Antes disso, sua atriz Dominique Blanc estará em cartaz com La Douleur, direção dele, no mesmo teatro nos dias 9, 10 e 11 de setembro também às 21 horas.


Porto Alegre em Cena: O seu trabalho é reconhecido no Brasil pela excelência artística. Você é considerado um dos maiores encenadores contemporâneos do mundo.
Patrice Chéreau: Ah! Muito obrigado.

É verdade. Como o teatro, o cinema a e ópera entraram na sua vida?
(Risos) Oh! Quando eu era muito pequeno, uma criança. Lembro de montar uma peça com uns amigos e me apresentar no colégio onde eu estudava, na cidade de Lézigné, onde nasci. Fui muito novo para Paris, com doze anos de idade. Não sei por quê. Eu venho de uma família de artistas. Meu pai era pintor e minha mãe designer, mas ela também pintava. Então quando criança eu costumava pintar, desenhar. Um dia, comecei a fazer teatro. Eu ia muito a teatro. Quase todo o final de semana. E gostei muito daquilo.

Então você começou a sua vida artística no teatro?
Sim. Mas depois fui estudar em Paris, em outro colégio. Lá havia um grupo de teatro e me juntei a eles. Lembro que ganhei um papel bem pequeno, mas eu era muito ruim, tinha apenas dezesseis anos nessa época. O meu trabalho no grupo era pensar o cenário, pintar o cenário, pensar as luzes, pendurar as lâmpadas e ensaiar. Eu não dirigia e nem atuava ainda. Esta escola era muito próxima à uma coisa muito importante para nós, a Cinemateca de Paris. Eu ia a Cinemateca dia sim,dia não, e durante todos os finais de semana. Por causa disso, entrei nesse grupo e gostava muito de estar ali, de ajudar. Via as pessoas trabalhando e ia ao cinema para ver todos os filmes apresentados, o expressionismo alemão, muito outros. Nesse grupo, eu era o mais velho, e então, naturalmente, comecei a dirigir. Isso aconteceu em 64 e, desde então, nunca mais parei. Foi a minha primeira produção teatral.

Qual o nome do espetáculo?
Era uma peça de Victor Hugo. Na verdade, sete peças. Os atores tinham medo dela. (Risos) “A Intervenção”, L'Intervention, de Victor Hugo. Uma peça muito estranha. Não era boa. Mas, sabe, quando você é jovem tem a idéia, quer montar e fazer peças de autores desconhecidos, textos desconhecidos. Tinha 19 anos nessa época. As montagens já eram consideradas profissionais. Depois, montei espetáculos com textos de Molière. Algumas pessoas foram assistir à uma dessas peças e fui convidado para dirigir minha primeira ópera, “A Italiana em Argel”, de Rossini, com doze pessoas. Isso foi feito em Spoleto, uma pequena cidade da Úmbria, na Itália. A ópera tinha sido dirigida por um famoso escritor ítalo-americano, Giancarlo Binote, e foi ele quem me convidou para fazer a produção do espetáculo. Depois, fui chamado para trabalhar no Piccolo-Teatro, em Milão. Tive muita sorte. Sempre tive muita sorte. Foi muita sorte ter trabalhado em Milão, nesse belo teatro, com excelentes atores. Depois disso, voltei à França.

Quanto tempo você ficou na Itália?
Três anos, de 1970 a 1973. Em 73, voltei para a França. Voltei para ser co-diretor do Teatro Nacional Popular de Paris, com Roger Planchon, justamente quando o Ministro da Cultura da França, Sr. Jacques Duhamel, transferiu o Théâtre National Populaire para Villeurbanne, perto de Lyon, fundado pelo próprio Planchon, em 1957.

Quando e como começou a sua trajetória com o cinema?
Em 1974, com “La Chair de l'Orchidée”, A Carne da Orquídea, meu primeiro filme, com Charlotte Rampling no elenco. Já tinha feito alguns filmes curtos para a televisão. Eu já era famoso no teatro, e resolvi escrever e dirigir um roteiro para outro veículo. Depois, comecei a fazer meus próprios projetos de cinema.

Todos esses anos dirigindo teatro, ópera e cinema. Qual a diferença entre eles? O método de direção muda de um para o outro?
Não. É o mesmo trabalho. É exatamente o mesmo trabalho. Com textos diferentes, com ferramentas diferentes. São mídias diferentes, mas o meu trabalho é exatamente o mesmo. Você está contando uma história para a platéia em qualquer um deles. Fazendo com que o espetáculo torne essa história clara. Só posso continuar trabalhando nessas três formas de arte porque acredito que seja o mesmo trabalho para todas. Não vejo diferença entre elas.

Você costumava ver diferença entre elas quando era mais jovem?
Ah sim! Porque as pessoas me forçavam a ver que elas eram diferentes. Queriam me convencer de que teatro e cinema são diferentes. Eu sei disso. Não sou estúpido. Mas, de alguma maneira, para mim é igual. Há coisas que você pode ter na tela que você não pode conseguir fora dela. Você pode ter o close up e você pode ter o corte no cinema, é claro.

E o seu compromisso com as três artes é o mesmo?
Depende. Depende do momento. Fiz muito teatro, muito cinema, mas nesses últimos quatro anos me dediquei mais à ópera. Fiz três produções e agora estou fazendo uma remontagem em Nova York. O problema é tempo, cronograma de trabalho. Meu último filme fiz para o festival de Veneza. Nos últimos anos, não fiz mais cinema porque estava envolvido com óperas. Depois quero voltar a fazer teatro. É tudo uma questão de agenda. Até porque uma ópera deve ser preparada três anos antes de estrear e um filme em três meses vocês termina as gravações. Em quatro anos, sem dúvida eu poderia ter feito vários filmes.

A Rainha Margot é um dos seus filmes mais conhecidos no Brasil.
É o meu filme mais conhecido em todos os países.

É um filme maravilhoso. E você conhece algo do cinema brasileiro?
Não muito. Eu conheço muito bem o Walter Salles. Eu o conheci pessoalmente, vi seus filmes e gostei muito. Mas é o único nome que me vem à cabeça.

O que o senhor espera das apresentações de La Douleur e de Le Grand Inquisiteur no Brasil, nas cidades de São Paulo e Porto Alegre?
Não sei. Teremos de esperar. Estou muito curioso e feliz de levar esses espetáculos ao Brasil, porque só estive uma vez no Brasil, isso em 1980. Estive no Rio de Janeiro e em São Paulo para algumas conferências. Será a primeira vez que estarei apresentando no Brasil meu trabalho como diretor e ator.

Nos trabalhos de ator, você tem algum processo definido para a construção de seus personagens?
Atuo muito poucas vezes. Não é meu trabalho principal. Meu trabalho é o de direção e, às vezes, eu próprio me dirijo. “O Grande Inquisidor” é uma leitura. Estarei sentado no palco com o texto na mão, lendo. Claro que não é simplesmente uma leitura. Mostro ao público como penso que esse texto deve ser dito, como eu o vejo. Meu trabalho de ator está sempre ligado ao meu trabalho de diretor.

E dirigir Dominique Blanc? Como foi sua relação com ela ao dirigir “La Douleur”?
Já tinha trabalhado com ela antes, interpretou a mãe na Rainha Margot. É uma excelente atriz com quem gosto muito de trabalhar. “La Douleur” não é um texto feito para o teatro. Apresentei esse texto da escritora Marguerite Duras para Dominique porque o achei muito bom. Trata das dores de uma mulher que espera seu marido voltar de um campo de concentração nazista. É muito diferente de uma peça cujo texto é feito para teatro; é um texto extremamente literário, uma opção de trabalho mais difícil, mas instigante. É importante escolher textos assim para serem trabalhados no palco e contar também no palco histórias que não foram escritas para o teatro.

E as suas expectativas com relação à interpretação de Dominique Blanc foram atingidas?
Não crio expectativas em relação às minhas peças. Diretores não têm expectativas. Claro que quando dirijo, espero o melhor, mas as expectativas são com relação ao texto. Os caminhos do processo de direção de uma peça mudam durante os ensaios. Espero encontrar sempre uma situação nova e inesperada.

Nos espetáculos La Douleur e Le Grand Inquisiteur vocês usa muitos efeitos de som e de luz. Isso é uma coincidência ou uma opção estática?
Não. Não uso efeitos de som no “Le Grand Inquisiteur” e a luz do espetáculo é muito simples. Há apenas uma iluminação básica para que as pessoas possam me ver lendo o texto. Em “La Douleur” há efeitos de som, mas são muito discretos e a iluminação também é simples. No teatro, o que gosto de trabalhar é a relação entre o ator e o texto. Minha direção é voltada para que o público veja a força de um texto na interpretação de um ator. Os efeitos técnicos vêm de fora para complementar, mas não fazem parte essencial da encenação.

No início da nossa conversa você disse que, quando começou sua carreira artística, trabalhava na parte técnica dos espetáculos produzidos no colégio onde estudava. Isso não dá vontade de usar mais os efeitos de luz, som e cenário?
Pelo contrario. Naquela época, justamente, aprendi que o meu trabalho era para servir de pano de fundo ao trabalho dos atores. Gosto disso no teatro, prioritariamente. Na ópera e no cinema, posso utilizar mais esses efeitos todos, mas no teatro minha opção de direção está definida.

Há algum autor de que você tem vontade de montar para o teatro ou cinema que nunca tenha montado antes?
Tenho um projeto para o próximo ano, 2010, de montar uma peça, na verdade duas peças, de um autor francês ainda não muito conhecido, Jon Fosse. É um belo escritor e um belo texto.

Nesse momento você está dirigindo uma ópera em Nova York. Pode falar um pouco sobre esse trabalho?
Sim. Fui convidado para fazer a remontagem de uma ópera adaptada do escritor russo Fiódor Dostoievski, que se chama “Recordações da Casa dos Mortos”, inspirado em sua vivência,em 1849, quando foi preso e acusado de participar em reuniões na casa de um revolucionário que conspirava contra o regim. Aí, Dostoievski foi condenado à morte. Passou nove anos na Sibéria, quatro no presídio de Omsk, e mais cinco como soldado raso.

Você gosta de Dostoievski ainda hoje?
Dostoievski foi um grande escritor, mas para esse trabalho só fui convidado para a remontagem da ópera. Estou trabalhando nele agora, interrompo para ir ao Brasil e depois à Argentina. Volto para o trabalho final e a tempo de assistir a estréia, em novembro.

Você tem alguma inquietude? Algo que o mova e que você usa no seu trabalho?
Tudo me move. As pessoas que vejo nas ruas todos os dias quando vou pegar o metrô. As relações das pessoas, a individualidade das pessoas. Tudo faz parte do meu trabalho. Penso no que vai acontecer com o mundo: guerras, política, economia. Tudo isso me move, tudo mexe comigo.

E essas coisas, como você as utiliza no seu trabalho?
Procuro traduzir esses sentimentos para o palco, me perguntando sobre essas questões enquanto trabalho. Nem sempre encontro as respostas. Não tenho respostas para todas as minhas perguntas. Por que as coisas são como são? Por que alguém não tem o que comer se trabalha tanto? Por que alguém com poder pratica o mal e não tem paz?

Você sabe que Peter Brook também montou o texto “O Grande Inquisidor”?
Sei, sim. Mas não assisti ainda.

Você saberia me dizer por que dois grandes diretores de teatro no mundo escolheram o mesmo texto para dirigir?
Porque é um texto maravilhoso. O texto é fantástico. Ele tem tanto para falar sobre os seres humanos. Das pessoas, da essência humana. Fala muito sobre a liberdade.

Você tem a consciência de ser um grande diretor? Você sabe que as pessoas admiram o seu trabalho?
Sei que isso é um fato. Mas não sei porquê e nem o que isso significa. Hoje mesmo, de manhã, estava indo para o ensaio e uma moça me chamou pelo nome. Eu me virei para ver o que era e, então, ela me falou o quanto admirava meu trabalho. Ora, estou em Nova York, cidade com oito milhões de pessoas transitando pelas ruas. Aparentemente todos sabem que sou um bom diretor, menos eu.

Você pensa no futuro?
Não penso muito no meu futuro, mas penso muito no futuro do mundo, no futuro da humanidade.

sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Da lua


Pois é. Então. Fases.

Que coisa engraçada que é a vida. Mais de uma vez eu já escrevi por aqui sobre isso, sobre como a vida é cíclica, como determinadas situações se repetem e por aí vai. O interessante é que, mesmo isso acontecendo, a gente sempre nota e aprende alguma coisa nova, tudo é uma soma, experiências nunca são demais.

Eu tenho um pendor a acreditar em astrologia. Não no horóscopo diário, que sai no jornal e me recomenda “cautela com os doces” ou “chances de encontrar o amor da sua vida”, mas na influência dos astros na vida da gente. Tem vezes que me parece ser a única explicação.

Essa forma cíclica da vida, por exemplo. É engraçado como certas coisas tem uma freqüência, se não previsível, regular. Eu estava vendo a entrevista do Felipe Camargo, por exemplo, e a Marília Gabriela comentou que ele explodiu para o sucesso com 24 anos, na minissérie Anos Dourados. Passou um tempo sendo o 1º galã da Globo, depois vieram os escândalos, a escassez de trabalho e por fim o ostracismo. Ninguém mais ouvia falar em Felipe Camargo. Agora ele retomou a projeção nacional ao protagonizar a excelente minissérie Som e Fúria, aos 48 anos. Não é engraçado que ele tenha encontrado o sucesso a cada 24 anos da sua vida?

O “retorno de Saturno” é outro exemplo de crença astrológica que eu acredito porque observo na realidade. Explicando para quem não sabe (explicação baseada no conteúdo do site Terra): entre os 28 e 30 anos de idade, ocorre o primeiro retorno de Saturno, ou seja, o planeta em trânsito se posiciona no mesmo local em que estava no momento de nascimento da pessoa. Assim, dá início a uma nova volta em torno do zodíaco.

Desta maneira, é uma espécie de rito de passagem, a partir deste período muitas coisas que antes eram parte de uma gama de opções se tornam definitivas, surge a necessidade de determinar o que vai dar impulso aos próximos 28 anos e tudo o que é decidido tem sua repercussão e conseqüência. É quando se adquire definitivamente autonomia, quando se começa a se preparar para inverter os papéis (de filho para pais).

Nesta época, surge a necessidade crescente de se fundar um lar, ter filhos, educá-los e progredir profissionalmente. Se começa a pensar seriamente no futuro e é o primeiro contato com a sensação de que o tempo passa e que a velhice não tarda a chegar, daí vem a intensificação das cobranças internas. Nessa época, as pessoas que ainda não se definiram na vida passam a se sentir muito angustiadas, porque o fantasma do fracasso começa a ameaçar. Freqüentemente, nesta idade as pessoas retomam os estudos, procuram caminhos profissionais definitivos e não mais bicos e trabalhos esporádicos. A crise provocada por Saturno sempre é complicada, já que mexe com assuntos como o tempo e a idade, fracasso, frustração ou sucesso. Alguma dúvida de que todo mundo passe pelo Retorno de Saturno?

Na minha vida essa “ciclicidade” também é nítida, já cansei de falar sobre isso. Parece que ela vai dando guinadas de dois em dois anos. Geralmente os meus anos ímpares são os de virada e os pares são os de firmação, de calmaria e consolidação do que veio um ano antes. Olha só: 2003 entrei na faculdade. Tudo novo. 2004 segui lá. 2005 comecei a namorar, fui pra Austrália, larguei a faculdade. 2006 voltei, me acalmei, estudei. 2007 faculdade nova, fim de namoro, trabalho novo. 2008 mesmo estado civil, mesmo emprego. 2009 novo emprego. Não é engraçado? E isso se repete em diversas outras áreas da minha vida, no meu humor, nas pessoas á minha volta, em tudo.

Uma amiga minha que fez mapa astral me disse uma vez: “se a lua, como sabemos, influencia tão direta e visivelmente as marés, porque não influenciaria as pessoas, cujo corpo é composto por mais de 80% de água”? Não é de se pensar?

Não que eu me guie por isso, que eu fique esperando as mudanças astrológicas, mas eu vou notando elas de certa forma. E, só por via das dúvidas, aumentei a cautela com os doces.

segunda-feira, 17 de agosto de 2009

Carta de ator anônimo

Não admito quem não gosta de Godard, Fellini ou Bergman. Só um ignorante não conhece um texto do Beckett, Tchékhov ou Ibsen. Leio muito esses autores porque isso é cultura. Eu tenho a cabeça muito aberta, afinal eu estudo teatro que é uma arte que abre muito a cabeça da gente, não é. Vejo o mundo de uma outra forma. Nada mais me choca.

Sofri muito nos últimos anos. Fiquei muito tempo parado, sem fazer teatro. Ficava triste e brabo ao mesmo tempo. Ninguém me chamava. Comecei a ficar desesperado. Sofri muito nesse período. Via outras pessoas com projetos e trabalhos legais e eu não fazendo nada. Achava que eu era um péssimo ator. Que as pessoas me acham um péssimo ator. Até que voltei a ativa.

Muito bom estar de volta no palco. Em contato com as pessoas. Só ensaiar todos os dias é que é sacrificante. E quando pra juntar o elenco todo pra passar um corridão temos que ensaiar final de semana? Um inferno. Um saco não poder almoçar com os amigos de teatro em locais de teatro, falar de teatro e de pessoas de teatro. Lembrar dos momentos do passado teatral e rir das mudanças que tiveram no teatro. O pior é ainda ter que ensaiar no frio. Deus me livre! Se bem que no calor também é sacrificante. Pode fazer mal pra voz.

Não. O pior é quando o diretor ainda pede pra passar e repassar a cena umas dez vezes. Não sei fazer. Não sei fazer assim como ele quer, porra. As vezes ele diz que ta bom e aí no ensaio seguinte já quer coisa diferente. Assim não dá. Fico triste e brabo ao mesmo tempo. Começo e ficar desesperado. Sofro muito nesse período. Acho que sou um péssimo ator. Que as pessoas me acham um péssimo ator.

Não, sou muito feliz. Acho maravilhosa a carreira de ator. Acharia lindo se eu morresse no palco. É o que eu quero.

quinta-feira, 13 de agosto de 2009

Dicas.

Além de "Coração Vagabundo", o documentário do Caetano que eu já comentei por essas paragens, tô -l-o-u-c-a para ver os três filmes brasileiros cujos trailers coloco aí em baixo.

Sigo encasquetada em mostrar como o cinema brasileiro não fala só de violência, tem qualidade e já faz filmes para todos os gostos. Pena que ainda penamos na distribuição: os três já estrearam no eixo Rio/São Paulo, mas sabe-se lá quando serão exibidos por aqui... a mim resta esperar. E deixar a dica para vocês.





terça-feira, 11 de agosto de 2009

de método, cinema e anseios

Nesses tempos de férias estendidas por conta da gripe suína, tenho dedicado meu (abundante) tempo livre a tarefas produtivas. Aos trancos e barrancos consegui estabelecer uma disciplina tccística, e atualmente as primeiras horas da manhã - e as últimas da madrugada, que é como eu considero o período entre 0h e 9h - giram em torno de denominações de origem, indicações geográficas, vinhos e a OMC. Dependendo do capítulo, vai-se a tarde também nessa brincadeira. Quando meu cérebro se cansa de formular frases acadêmicas, passeio pelo twitter, pelos e-mails e até aqui pelo blog. Sim, porque a meu ver estas são atividades produtivas. Resolver pendências e me comunicar com as pessoas ao toque do teclado é uma mão na roda. Saber das notícias da Folha, do NYT e da CNN em tempo (quase) real é um luxo, impensável até bem pouco tempo atrás. E ler e escrever besteira produz um efeito altamente desopilante na mente, estudos comprovam! Claro que quando eu abro o link que o Rafinha do CQC tuitou, em que um trio de japoneses canta bizarramente durante 13 minutos, sinto que estou desvirtuando o papel da internet na minha vida, mas fora um que outro excesso eventual, a web é uma aliada e tanto.

No mundo real, me empenho diariamente em educar um vira-lata excessivamente sociável que tem fobia de atravessar a rua. Já ensinei o Alemão a sentar, e salvo alguns quase-atropelamentos, a missão tem sido um sucesso, pura adrenalina. Se você vir uma mulher sendo arrastada por um guaipeca pelas redondezas da encol, sou eu.

Além disso, o convívio familiar intenso tem contribuído para que eu possa me tornar monja no Tibet dentro de alguns anos. Ou interna no São Pedro, tudo pode acontecer. No mais, a corrida nossa de cada dia sim, dia não e a terapia, que aos poucos me convence de que entre o Tibet e o São Pedro pode haver uma opção mais aprazível.

Dito isso, posso começar a divagar sobre o tempo. Não é paradoxal que as pessoas que trabalham o dia inteiro anseiem por mais tempo livre; enquanto que aquelas que, como eu, têm uma agenda mais folgada costumam dizer que o excesso de tempo disponível mais atrapalha do que ajuda? Me acostumei a repetir quase que no automático: "quanto mais tempo se tem, menos se faz..." De fato, assim me pareceu a vida até aqui. Chefes, professores, prazos, provas... me habituei a administrar meu tempo condicionada a prazos estabelecidos desde o exterior. E agora me percebo às portas de me tornar senhora do meu tempo: não pretendo ser empregada de ninguém tão cedo - sou uma profissional liberal em início de carreira; a faculdade aparentemente vai acabar mesmo dentro de alguns - poucos - meses, ou seja, doravante, it´s up to me...!

Dá um certo frio na barriga, sim, mas não é desse turning point que eu quero falar. Tenho em mente o tempo livre em geral, ao longo da vida. Por muito tempo me angustiou minha falta de método nas minhas buscas por conhecimento fora do território escolar/acadêmico/profissional. Invejava aquelas pessoas capazes de discorrer longamente sobre todo um período da história da arte, ou que conhecessem de cabo a rabo a obra de um autor. Mas simplesmente não conseguia eleger uma área à qual me dedicar tão avidamente. Sigo admirando aqueles poços de cultura que derramam conhecimento pelos poros, mas hoje aceito esse meu jeito nômade e confesso que me agrada pensar que minha eterna ignorância deve seguir me levando a lugares impensados.

A associação entre tempo livre e enriquecimento cultural não é fortuita. Comecei esse post pensando no pai aquele que encampou a idéia do filho adolescente de largar o colégio sob a condição de que o guri assistisse a uma lista de filmes selecionados por ele, pai. A lista incluía títulos tão diversos quanto A Doce Vida, de Fellini, e Os Reis do Iê-iê-iê. Nenhum método, apenas o objetivo de desenvolver o espírito crítico do guri e incutir um pouco de cultura naquela cabeça tão refratária à educação tradicional. O pai em questão é o escritor David Gilmour, e a experiência deu origem ao livro "Clube do Filme", que deve ser interessantíssimo, mas eu não li e dificilmente lerei, por falta de... tempo. Bastou ler a crítica no jornal pra eu me reconhecer como uma entusiasta do experimento dos Gilmour, antes mesmo de ouvir falar neles.

Sempre acreditei na educação por meio do cinema, apenas não consegui convencer minha mãe de que isso bastava. De modo que estou terminando a faculdade, mas sigo buscando absorver conhecimentos de maneira absolutamente incoerente, sem preconceitos. E isso em todas as áreas, não apenas no que diz respeito à cultura cinematográfica.

Por isso me enerva escutar de alguém frases do tipo: "não vejo filme brasileiro"; "não escuto música popular"; "não falo com estranhos"; "não como nada com pimenta"... Como se todos os filmes produzidos no Brasil fossem pornochanchadas, toda música popular fosse Calypso, todo estranho fosse bandido e todo prato apimentado fosse ardido.

Falando especificamente em cinema, assistir a produções de todas as épocas, gêneros e procedências significa manter aberto o canal da linguagem, apurar minha capacidade interpretativa e enxergar o mundo de uma maneira bem menos maniqueísta do que certamente seria no caso de eu encarar somente blockbusters americanos (ou qualquer outro gênero que fosse entendido com o único válido).

Encerrando com a união entre (falta de) método, cinema e anseios, segue o roteiro da semana que passou diante dos meus olhos:
Caramelo, filme libanês sobre um grupo de mulheres e suas feminices (de PoA a Beirut, não muda muita coisa, e a beleza da história tá aí); Love Story (love story, bem isso aí, vi mais por curiosidade depois da morte da Farrah Fawcett); Breakfast at Tiffany´s (além de mostrar a graça da Audrey, me impressionou pelo espírito bastante libertino pros padrões da época, com festinhas mucho locas no cafofo da Ms. Golightly); Nós que Aqui Estamos por Vós Esperamos (esse merece um post especial, que provavelmente eu não escreverei, por não acreditar que eu possa dizer qualquer coisa à altura. É italiano. É uma obra-prima. Vai lá.); Tartufo (baseado na comédia de Moliére, a produção é da década de 20, cheia de graça e beleza. E eu pensando que não fosse rir, sequer sorrir, diante de um filme mudo...); Podecrer (mostra uma gurizadinha terminando o colégio no Rio do início da década de 80. Se imagens cariocas sempre me trazem uma certa nostalgia, imagens nostálgicas do Rio quase me levam às lágrimas); Cidade Baixa (um triângulo amoroso numa Salvador feia, suja e malvada. E ainda ssim tocante!) e por fim, Apocalypse Now. Este eu também não me sinto digna de escrever a respeito. Vi ontem à noite e sigo assombrada pelo Vietnã, por aquela guerra estúpida, pelo Marlon Brando, pelo horror, o horror, o horror...
Foi uma semana interessante, pra dizer o mínimo. Depois do apocalypse, ainda terminei de ler a Saga Lusa da Adriana Calcanhotto, que ainda não decidi se é muito bom ou se eu devorei por conta da identificação com o surto psicótico que ela narra. De qualquer forma, catei o Pequeno Tratado das Grandes Virtudes, que andava por ali, antes de pegar no sono, e abri no capítulo sobre temperança. Acordei serena e descansada hoje de manhã, louca pra ir ver a exposição de arte francesa no MARGS e o acervo do Iberê, com direito a pôr-do-sol na sequência. Depois dos compromissos diários, bien sûr.

domingo, 9 de agosto de 2009

sentir – senti – sem ti II

No primeiro texto sentir – senti – sem ti, de dezembro de 2008, falei mais da minha relação com três grandes cantoras, Elis Regina, Édith Piaf e Billie Holiday que me emocionam muito. Além, é claro, de inúmeras outras as quais amo de mais como Nina Simone, Bjork, Clara Nunes, sem falar nas atrizes cantoras Marília Pêra, Bibi Ferreira, dentre outras tantas. Enfim! Esse quero dedicar a escritores maravilhosos cujos livros me deixam com o coração do lado de fora do peito. Exposto, revela amores, amantes, amados.
Estou falando de Charles Bukowski e Bertolt Brecht. Dois escritores maravilhosos que conheço há alguns anos. Bukowski da literatura e Brecht das peças de teatro e também um pouco da literatura. Mas o ano de 2009 me trouxe as poesias desses dois grandes mestres cujas emoções estão ali, em cada palavra, em cada virgula. É impressionante como se pode notar! Pelo menos eu noto. Pode ser que o uísque ajude na minha interpretação, mas acredito mesmo que quando se escreve alguma coisa com emoção, ali ela fica, encravada.
Uma boa história te liga, te deixa desperto, te faz pensar, te ensina, te deixa noites sem dormir, te cola as capas nas mãos, mas uma história, não, uma qualquer coisa. Uma palavra, uma poesia, uma musica, um texto, um delírio que sejam escritos com emoção, te apaixonam! Leiam, amem e mudem.




terça-feira, 4 de agosto de 2009

enjoy the silence

Chego de férias e me deparo com uma produtividade intensa aqui no Purfa. Luiza e Pato a todo vapor: cabeças fervilhando, dedos tinindo, uma loucura! De cara quis escrever algum texto perspicaz, à altura, mas ôxi, que me deu uma preguiça...
Habituada que eu sou a escrever textos-manifesto, percebo que voltei pra frente do teclado sem ter uma idéia que eu quisesse muito compartilhar. Sabe como é voltar de uma viagem em que muitas coisas aconteceram e não ter o menor saco de contar como foi? É isso. Em parte. Porque resumir vários dias espetaculares durante um almoço fatalmente banaliza a experiência...
Mas tem outros detalhes, e agora eu começo a me preocupar ao me dar conta de que talvez eu escreva um bocado sobre a minha falta de vontade de escrever...
O que essas férias tiveram de diferente foi o fato de eu ter voltado com outro estado de espírito, e isso ser a grande novidade. Claro que o roteiro incluiu também paisagens deslumbrantes, personagens pitorescos, festas, indiadas, camaradagem... Mas falar dessas coisas todas sem mencionar o bem que elas me trouxeram me faz sentir como se estivesse lendo um guia turístico, ao mesmo tempo em que contar da viagem explicando o porquê de eu ter voltado tão zen me transformaria numa mala sem alça, tipo aquelas pessoas que querem converter todo mundo à dieta macrobiótica, à Bola de Neve Church, ou a qualquer roubada que traga a promessa de "mudar sua vida".
Então serei breve, pra evitar o tom de profetisa do apocalipse, mas vou ter que falar um cadinho da Bahia... Dias de sol e mar, noites de forró... aquele povo debochado, o sotaque contagiante (mesmo!)... o cansaço de um dia bem aproveitado, curtido como a vida deve ser... aquela atmosfera conseguiu o que parecia impossível: me desacelerar. Relaxar cada músculo do meu corpo. Ver graça no que antes andava me enervando. A ausência de um itinerário apertado, cheio de atividades programadas, foi fundamental: nossa única preocupação era que fizesse tempo bom, e com isso o dia se resumia a estender as cangas na areia e ali ficar até o dia acabar. Dava pra sentir a paz chegando e se instalando, ocupando todos os espaços, sintonizando minha freqüência e eliminando os ruídos.
Esses dias por lá como que prepararam o terreno pro que veio depois: fui a Campo Grande, MS, visitar minha família paterna, que eu não via há mais de 15 anos. Conheci uma irmã, revi primos que brincavam comigo e agora são casados, têm filho, ou simplesmente cresceram consideravelmente, meus tios envelhecidos, meus avós mais ainda... Passei um espanador na minha história, e me surpreendi com o que encontrei sob o pó.
O que ficou desses dias? Eu ainda não consigo dimensionar. Só sei que cheguei aqui praticamente desprovida de convicções, e muito mais interessada em observar do que em me manifestar. Porque tenho a nítida impressão de que meu modo de enxergar o mundo mudou drasticamente, e agora eu acordo de manhã curiosa pra saber como vai ser o dia, visto daqui.
Não descrevo as primeiras impressões pela mesma razão de umas linhas acima, mas posso dizer que a nuvem negra do meu último post já voou pra bem longe daqui...
E não virei macrobiótica nem crente, caso alguém tenha ficado apreensivo.

RAÇA

Questão difícil essa das cotas raciais. Aliás, todo problema que tem como cerne a questão “racial” é bem complicada. Isso porque mexe com preconceito (tanto dos ofensores, como dos próprios ofendidos), com descriminação, com todo um histórico de desavenças. A escravidão marca tanto que dizem que demora mais do que o triplo do tempo que ela durou para apagar os seus vestígios. Eu ainda duvido que haja tempo passível de apagar os seus vestígios...

Acredito que no Brasil há sim uma imensa descriminação, mas não somente contra negros: há descriminação contra o pobre em geral, seja ele negro, branco, pardo. É claro que existe preconceito contra negros, conversa com um alemão da colônia para ver... mas aí também existe preconceito contra gays, contra alemães, contra deficientes, contra mães solteiras. Vamos criar cotas para todos esses segmentos então?

É fato que o Brasil é um país altamente miscigenado, o mais miscigenado do mundo. Dos senhores que tinham filhos com escravas, da mistura do europeu com o índio, da colonização italiana, alemã, japonesa. Difícil olhar alguém no exterior e já saber que é brasileiro, como acontece com os ruivinhos ingleses ou os loiros nórdicos. A não ser que a pessoa esteja sambando ou jogando lixo no chão... Da mesma forma, com exceção daqueles pretíssimos (e não leia isso com preconceito), não é fácil olhar alguém e constatar: é negro. E os mulatos? A Camila Pitanga é branca ou negra afinal? Aqueles irmãos gêmeos da UNB que tiveram pareceres diferentes da Universidade (um foi considerado negro e o outro não) são prova dessa dificuldade.

Essa miscigenação brasileira, na minha singela opinião, contribuiu e muito para diminuir o preconceito. Muita gente afirma que o que existe é um preconceito velado. Pode até ser, mas o simples fato dele ser velado já demonstra que não é visto pela sociedade em geral como uma boa coisa.

O que eu sei dessa questão toda é que eu sou sim a favor das cotas, mas das sociais. Acho que realmente há um déficit e que, se as coisas continuassem como estão, as classes C e D dificilmente entrariam na Universidade. Esperar que o governo melhore o ensino de base? É o correto, mas se esperaria até quando? Que se implante as cotas para dar a chance dessas pessoas competirem de igual para igual com aqueles mais afortunados.

Eu estudo em Universidade Federal e notei com clareza a diferença dos estudantes ali presentes antes e depois das cotas. Que eu lembrasse, havia uma só negra em toda a minha faculdade, hoje são vários. Pessoas de características mais simples, negras ou brancas, transitam por aqueles corredores onde antes, infelizmente, praticamente só os egressos de escolas particulares e de bons cursinhos tinham acesso. Poucas medidas seriam mais eficazes para combater a desigualdade.

Tentar fazer isso utilizando o conceito de RAÇA, entretanto, não me parece o correto e mais, me dá a impressão de ser algo ainda mais discriminatório, quando não inconstitucional. Compartilhando de opinião parecida vou colocar aqui dois textos completamente diferentes, mas igualmente brilhantes: um é uma parte do voto do Ministro do Supremo Gilmar Mendes acerca de um pedido de liminar que envolvia a questão das cotas raciais e o outro é do humorista Danilo Gentili, do CQC, sobre a questão racial em geral. Dois estilos completamente opostos, do “juridiquês” à piada pura e simples, mas ambos convergindo para um mesmo ponto: a fragilidade do conceito de raça e a impossibilidade de adoção de medidas com base neles. Se tiver paciência, tá aí:

1) A decisão de Gilmar Mendes (íntegra http://www.stf.jus.br/arquivo/cms/noticiaNoticiaStfArquivo/anexo/ADPF186.pdf) :

Nunca é demais esclarecer que a ciência contemporânea, por meio de pesquisas genéticas, comprovou a inexistência de “raças” humanas. Os estudos do genoma humano comprovam a existência de uma única espécie dividida em bilhões de indivíduos únicos.
A noção de “raça”, que insiste em dividir e classificar os seres humanos em “categorias”, resulta de um processo político-social que, ao longo da história, originou o racismo, a discriminação e o preconceito segregacionista.
(…) é preciso enfatizar que, enquanto em muitos países o preconceito sempre foi uma questão étnica, no Brasil o problema vem associado a outros vários fatores, dentre os quais sobressai a posição ou o status cultural, social e econômico do indivíduo. Como já escrevia nos idos da década de 40 do século passado Caio Prado Júnior, célebre historiador brasileiro, “a classificação étnica do indivíduo se faz no Brasil muito mais pela sua posição social; e a raça, pelo menos nas classes superiores, é mais função daquela posição que dos caracteres somáticos.
Por mais que se questione a existência de uma “Democracia Racial” no Brasil, é fato que a sociedade brasileira vivenciou um processo de miscigenação singular. Nesse sentido, elucida Carlos Lessa que “O Brasil não tem cor. Tem todo um mosaico de combinações possíveis” (LESSA, Carlos. “O Brasil não é bicolor”, In: FRY, Peter e outros (org.) Divisões Perigosas: Políticas raciais no Brasil Contemporâneo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2007, p. 123).
(...)
Assim, somos levados a acreditar que a exclusão no acesso às universidades públicas é determinada pela condição financeira. Nesse ponto, parece não haver distinção entre “brancos” e “negros”, mas entre ricos e pobres. Como apontam alguns estudos, os pobres no Brasil têm todas as “cores” de pele. Dessa forma, não podemos deixar de nos perguntar quais serão as conseqüências das políticas de cotas raciais para a diminuição do preconceito. Será justo, aqui, tratar de forma desigual pessoas que se encontram em situações iguais, apenas em razão de suas características fenotípicas? E que medidas ajudarão na inclusão daqueles que não se autoclassificam como “negros”?
Com a ampla adoção de programas de cotas raciais, como ficará, do ponto de vista do direito à igualdade, a situação do “branco” pobre? A adoção do critério da renda não seria mais adequada para a democratização do acesso ao ensino superior no Brasil? Por outro lado, até que ponto podemos realmente afirmar que a discriminação pode ser reduzida a um fenômeno meramente econômico? Podemos questionar, ainda, até que ponto a existência de uma dívida histórica em relação a determinado segmento social justificaria o tratamento desigual.


2) Texto do Danilo Gentili (BLOG: http://danilogentili.zip.net/):

As pessoas que separam cachorros por raças fazem isso porque acreditam que uma raça vale mais que a outra. Eles acreditam mesmo nisso. Ganham dinheiro com isso. Movimentam um mercado. Dividir uma espécie por raças nada mais é do que racismo.

Sinceramente acredito que todo cachorro é cachorro e que toda pessoa é pessoa. E dentro disso não entendo como alguém que morde seu sapato, encoxa sua perna e caga no seu tapete pode ser considerado o melhor amigo do homem.

Se você me disser que é da raça negra preciso dizer que você também é racista, pois, assim como os criadores de cachorros, acredita que somos separados por raças. E se acredita nisso vai ter que confessar que uma raça é melhor ou pior que a outra. Pois se todas raças são iguais então a divisão por raça é estúpida e desnecessária. Pra que perder tempo separando algo se no fundo dá tudo no mesmo?

Quem propagou a idéia que "negro" é uma raça foram os escravistas. Eles usaram isso como desculpa para vender os pretos como escravos: "Podemos tratá-los como animais, afinal eles são de uma outra raça que não é a nossa. Eles são da raça negra". Então quando vejo um cara dizendo que tem orgulho em ser da raça negra eu juro que nem me passa pela cabeça chamá-lo de macaco. E sim de burro.

Falando em burro, cresci ouvindo que eu sou uma girafa. E também cresci chamando um dos meus melhores amigos de elefante. Já ouvi muita gente chamar loira caucasiana de burra, gay de viado e ruivo de salsicha, que nada mais é do que ser chamado de restos de porco e boi misturados.

Mas se alguém chama um preto de macaco é crucificado. E isso pra mim não faz sentido. Qual o preconceito com o macaco? Imagina no zoológico como o macaco não deve se sentir triste quando ouve os outros animais comentando:
- O macaco é o pior de todos. Quando um humano se xinga de burro ou elefante dão risada. Mas quando xingam de macaco vão presos. Ser macaco é uma coisa terrível. Graças a Deus não somos macacos.

Prefiro ser chamado de macaco do que de girafa. Peça para um cientista fazer um teste de Q.I. com uma girafa e com um macaco. Veja quem tira a maior nota.

Quando queremos muito ofender e atacar alguém, por motivos desconhecidos, não xingamos diretamente a pessoa e sim a mãe dela. Posso afirmar aqui então que Darwin foi o maior racista da história por dizer que eu vim do macaco?

Se o assunto é cor eu defendo a idéia que o mundo é uma caixa de lápis coloridos. Somos os lápis dessa caixa. Um lápis é menos lápis que o outro só porque a cor é diferente? Eu desenho desde criança, então acredite em mim: Não mesmo. Todas essas cores são de igual importância. Ok. Ok. Foi uma comparação idiota. Confesso. Os lápis são todos do mesmo tamanho na caixa. E no mundo real o lápis preto é bem maior que o amarelo.

Mas o que quero dizer é que na verdade não sei qual o problema em chamar um preto de preto. Esse é o nome da cor não é? Eu sou um ser humano da cor branca. O japonês da cor amarela. O índio da cor vermelha. O africano da cor preta. Se querem igualdade deveriam assumir o termo "preto" pois esse é o nome da cor. Não fica destoante isso: "Branco, Amarelo, Vermelho, Negro"?. O Darth Vader pra mim é negro. Mas o Bill Cosby, Richard Pryor e Eddie Murphy que inspiram meu trabalho não. Mas se gostam tanto assim do termo negro, ok, eu uso, não vejo problemas. No fim das contas é só uma palavra. E embora o dicionário seja um dos livros mais vendidos do mundo, penso que palavras não definem muitas coisas e sim atitudes.

Digo isso porque a patrulha do politicamente correto é tão imbecil e superficial que tenho absoluta certeza que serei censurado se um dia escutarem eu dizer: "E aí seu PRETO, senta aqui e toma uma comigo!". Porém, se eu usar o tom correto e a postura certa ao dizer "Desculpe meu querido, mas já que é um afro-descendente é melhor evitar sentar aqui. Mas eu arrumo uma outra mesa muito mais bonita pra você!" sei que receberei elogios dessas mesmas pessoas, afinal eu usei os termos politicamentes corretos e não a palavra "preto" ou "macaco", que são palavras tão horríveis.

Os politicamentes corretos acham que são como o Superman, o cara dotado de dons superiores, que vai defender os fracos, oprimidos e impotentes. E acredite. Isso é racismo, pois transmite a idéia de superioridade que essas pessoas sentem de si em relação aos seus "defendidos".

Agora peço que não sejam racistas comigo por favor. Nao é só porque eu sou branco que eu escravizei um preto. Eu juro que nunca fiz nada parecido com isso nem mesmo em pensamento. Não tenham esse preconceito comigo. Na verdade sou ítalo-descente. Italianos não escravizaram africanos no Brasil. Vieram pra cá e assim como os pretos trabalharam na lavoura. A diferença é que Escrava Isaura fez mais sucesso que Terra Nostra.

Ok. O que acabei de dizer foi uma piada de mal gosto porque eu não disse nela como os pretos sofreram mais que os italianos. Ok. Eu sei que os negros sofreram mais que qualquer raça no Brasil. Foram chicoteados. Torturados. Foi algo tão desumano que só um ser humano seria capaz de fazer igual. Brancos caçaram negros como animais. Mas também os compraram de outros negros. Sim. Ser dono de escravo nunca foi privilégio caucasiano e sim da sociedade dominante. Na África, uma tribo vencedora escravizava a outra e as vendia para os brancos sujos.

Lembra que eu disse que era ítalo-descendente? Então. Os italianos podem nunca terem escravizados os pretos, mas os romanos escravizaram os judeus. E eles já se vingaram de mim com juros e correção monetária, pois já fui escravo durante anos de um carnê das Casas Bahia.

Se é engraçado piada de gay e gordo, porque não é a de preto? Porque foram escravos no passado hoje são café-com-leite no mundo do humor? É isso? Eu posso fazer a piada com gay só porque seus ancestrais nunca foram escravos? Pense bem, talvez o gay na infância também tenha sofrido abusos de alguém mais velho com o chicote.

Se você acha que vai impor respeito me obrigando a usar o termo "negro" ou "afro-descendente", tudo bem, eu posso fazer isso só pra agradar. Na minha cabeça você será apenas preto e eu branco, da mesma raça, a raça humana. E você nunca me verá por aí com uma camiseta escrita "100% humano", pois não tenho orgulho nenhum de ser dessa raça que discute coisas idiotas de uma forma superficial e discrimina o próprio irmão.

OBS: Antes que diga "Não devemos fazer piadas com negros, nem com gordos, nem com gays, nem com ninguém" Te digo: "Pode colocar meu nome aí nas páginas brancas da sua lista negra, mas te acho chato pra caralho".

sábado, 1 de agosto de 2009

O jornalista papagaio

O jornalismo é uma profissão bastante abrangente. Os profissionais saem do curso preparados para trabalhar em diversas áreas, bastando apenas escolher a que lhes dá mais prazer. Seja fotografia, radio, texto impresso ou telejornal. Dentro disto, podem fazer inúmeras editorias e escolher um assunto que lhes agrade e sobre o qual entendam: cultura, esporte, previsão do tempo, política, economia, social. Enfim, são as mais variadas formas de se trabalhar com a informação e com o prazer. Mas a questão é justamente sobre isso. Fiquei o dia inteiro pensando no grau de imparcialidade que esses profissionais têm quanto a, de uma maneira ou de outra, expor a sua opinião numa matéria que teoricamente deveria ser apenas informativa. Afinal, existe ou não jornalismo 100% não opinativo?
A primeira lembrança que eu tive foi de três diferentes traduções que li da peça HAMLET de William Shakespeare. A primeira do Millôr Fernandes, depois da Bárbara Eleodora e por último de Lawrence Flores Pereira. Cada uma delas, embora tenham sido traduzidas do mesmo texto, passam sensações diferentes por causa das escolhas das palavras e por causa das cenas mais enfatizadas e valorizadas pelos tradutores que fazem escolhas de palavras, termos e rimas. Cada um deles interpreta esse texto de uma maneira diferente. E ao passar essa interpretação adiante, estão opinando. É assim que vejo todas as outras funções do jornalista. Como as crônicas, os editoriais e os artigos que são espaços abertos para a opinião clara de algum entendedor sobre determinado assunto, o jornalismo das matérias dos fatos do dia, das entrevistas, das fotografias, também é opinativo. Pois não há nenhum jornalista papagaio. Seria o jornalista ideal aquele que não interpreta o acontecido, mas sim, o repete exatamente como aconteceu? Como nas traduções, os criadores das matérias também fazem as suas escolhas de palavras, termos, rimas, figuras de linguagem, entonações, expressões faciais ou angulo de visão que revelam muito mais do que só o conteúdo abordado. A própria escolha das fontes entrevistadas, as perguntas feitas. São demais os fatores que impossibilitam a não opinião de um ser humano sobre a informação transmitida.
É importante que os receptores das mensagens saibam o que estão lendo. Saber do fato puro sem interpretações, pelo menos, quando a informação é vendida como tal ou saber de que lado está o jornalista. Depois de me deparar com este assunto por um dia inteiro, ouso dizer que, embora talvez devesse, o jornalista papagaio não existe. É como uma idéia muito boa, mas que, mesmo sem querer, é impossível que aconteça. O nosso papagaio é, portanto, uma figura utópica desta proposta de jornalismo.
É por isso que, para a importantíssima função de jornalista, é necessário, sim, passar quatro anos estudando prática e ética e adquirir com isso um diploma que o da direito a informar, seja como for.

...pensamentos, teorias e devaneios...