sábado, 30 de maio de 2009

chuva, cama e revistas

Por que será que quando chove a pessoa sente necessidade de escrever? Comentei isso com a Luiza ontem: nos últimos dias, cada pensamento que vem a gente já imagina como pode colocar em forma de texto, as duas andam numa fase muito escrivinhadeira...
Eis as últimas, então: na minha corrida matinal várias idéias me ocorreram e eu fui viajando nas associações.
Primeiro pensamento: eu me sinto muito foda correndo na chuva (essa expressão é um tanto grosseira, mas não consigo pensar em outra mais adequada). Por que será? Me dei conta de que por melhor que seja a sensação da corrida em si - a endorfina circulando, o shuffle inexplicavelmente acertado do iPod, a conclusão do percurso planejado -, ela em nada difere do que eu sinto correndo em dias de sol. O motivo real: a idéia de estar correndo na chuva em um sábado de manhã, quando a maioria das pessoas está em suas casas dormindo, ou em seus carros indo pro shopping, secas, agasalhadas, confortáveis, cercadas de distrações e aconchegos. Inevitável o prazer triunfante de perceber que algo que a maioria dos mortais consideraria uma grande roubada me enche de satisfação!
Sempre senti isso, mas quis escrever a respeito porque essa semana eu li um texto que foi publicado na última Piauí. O autor é um norueguês chamado Per Petterson, e o título é "A Busca, Noite Adentro". Ele fala do hábito que tem de sair a caminhar pela noite, em meio à absoluta escuridão, durante o inverno gelado daqueles pagos. Por que ele faz isso? Porque sente necessidade, às vezes, de fugir de si mesmo, "dissolver um pouquinho a fronteira entre corpo e não-corpo", como se a sensação do infinito presente no breu total descolasse ele dos papéis desempenhados diariamente: o professor, o escritor, o marido, o contribuinte... Ali ele traça paralelos com pessoas que foram ao Saara em busca do nada. Vou transcrever só mais um trecho: "(...)pode ser que muitos façam isso: procurem o esquecimento, por razões que não julgarei agora, não aqui sozinho nesta estrada de chão batido, mas para encontrar esse esquecimento, para serem deixados para trás, podem permitir que o deserto faça o papel de uma grande borracha, que atue de forma tão absoluta como o apagador no quadro-negro, que no fim não se possa mais ouvir nada no vazio, a não ser o som frágil dos sinos da ausência. Outros buscam a mudança, querem mudar a si mesmos completamente, e para conseguí-lo precisam atravessar a noite, penetrar no deserto e talvez deixar que o vento seco e abrasivo da mudança sopre através dos seus corpos e limpe as suas almas; deixar que o deserto os reeduque para as coisas elementares.".
O texto me tocou por causa da identificação, essa razão tão óbvia que nos leva a gostar de filmes, livros, pessoas e lugares. O que eu sinto correndo na chuva, andando sozinha pela rua de noite, trabalhando perto do fogo e de facas afiadas é a minha modesta forma de viver situações análogas às desse andarilho da escuridão e dos "mergulhadores do Saara". Estar alerta, testar os limites da minha resistência física, tolerar cortes e queimaduras. Tudo isso tem muito de auto-destruição, mas também é permeado pela vontade de tomar consciência do que eu tenho de mais humano, de mais elementar.
Essas divagações me levaram a outra mais superficial: ando sem saco pra Vogue e Elle, duas revistas que eu adoro. Ah, cansei de expressões como old money, it girl, e afins... Das reportagens falando sobre pessoas e suas respectivas vidas como se fossem todos muito cool, até bem de pertinho, do savoir vivre indissociavelmente ligado ao luxo. Uma preocupação permanente com status e imagem que às vezes cansa... Acabei de falar que adoro essas revistas, e normalmente gosto mesmo de ler o mundo sob essa ótica glamourosa. A qualidade editorial é indiscutível, a competência pra abordar moda e tendências é perceptível em cada página. Nada disso eu nego, só tô dizendo que me enfarei um pouco, só isso.
Por isso que comprei a Piauí, que eu tinha lido pouquíssimas vezes, e tô adorando. A tpm é outra que vira e mexe tá na minha cabeceira: dá gosto ler uma revista que não dedique uma linha a ensinar como enlouquecer os homens ou à última maneira revolucionária de acabar com a celulite.

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