quinta-feira, 28 de maio de 2009

a morbidez natural da vida

A vida é muito irônica mesmo. Acordamos, estudamos, trabalhamos, amamos, rimos, comemos, dormimos, caímos, levantamos, lembramos e esquecemos. Esquecemos na maior parte do tempo que essa sucessão de eventos pode ser subitamente interrompida. Não pensamos muito na morte, em geral, sob pena de concluir que talvez não valha o risco dedicarmo-nos com afinco a causa nenhuma, afinal de contas, amanhã pode-se ter partido dessa pra melhor...
E um dia, ela resolve fazer uma visita. Um aceno, não tão de perto que interompa nossa caminhada, mas ainda desconfortavelmente próxima. E é nesses casos que a morte me parece mais perturbadora. Quando eu fiquei na fronteira, me vi tranquila, contemplativa, quase alienada (O Dráuzio Varella trata em um livro sobre o estado psicológico - espiritual? - dos pacientes terminais. Na mosca!). Quando pessoas amadas se foram, me vi no centro da tragédia, no olho do furacão, e só tinha espaço pra tristeza. Depois do luto, a aceitação. O ciclo natural, creio eu.
Mas hoje foi diferente. Fui ao velório do pai da minha tia. E não sei explicar, até agora, o que eu senti.
Conhecia o falecido superficialmente. Era um senhor muito simpático, ainda que reservado. Encontrava ele e a esposa, sempre juntos, com frequência: no Parcão, na feirinha orgânica, nos churrascos do meu tio. Ele acabava de ganhar uma netinha, minha prima linda. Minha tia, que eu adoro, era bem ligada ao pai, e cortou o coração ver a tristeza dela. Mas fora esse pesar, não posso dizer que eu tinha uma relação com o falecido. Não tinha. E era isso que me incomodava, me saber quase uma estranha ali, diante do corpo inerte de uma pessoa. E os grupos conversando, por vezes até sorrindo, não por frivolidade, mas imagino que na tentativa de negar o peso daquele ambiente, da circunstância insólita de se estar diante de um corpo que poucos dias antes respirava, andava, falava, beijava a esposa, ninava a netinha, dirigia o carro.
A morte é natural, é nossa única certeza, mas não vejo como se habituar a ela, ou estar preparado pra quando ela chegar. É muito estranho, velório é uma coisa louca, não sei até hoje se eu concordo que seja necessário pra processar a informação de que aquela pessoa se foi, que simbolize a despedida. Não faz o menor sentido ver sem vida alguém que a gente ama.
Cada frase que eu penso, escrevo aqui e em seguida apago... porque todas parecem pueris. Sou só eu tentando colocar em palavras tudo aquilo que vem com a consciência de que a morte está permanentemente à espreita.

Pra completar, fui ver a exposição do Corpo Humano assim que saí do crematório.


Por uma sexta-feira menos sombria e pelo pronto restabelecimento da ignorância fingida quanto ao nosso destino inevitável.

Um comentário:

Anônimo disse...

mari!
texto liiindo,passei pra deixar um beijo!
maite

...pensamentos, teorias e devaneios...